Estudos recentes desenvolvidos em vários países reportaram a presença do novo coronavírus em amostras de esgoto. Se por um lado a presença do vírus no esgoto alerta para eventuais riscos de transmissão da doença COVID-19 pela via feco-oral, por outro indica a possibilidade de se estabelecer uma estratégia para detecção da presença de uma doença ou infecção viral na população, inclusive na parcela que não manifesta a doença – portadores assintomáticos. Essa estratégia, que consiste no monitoramento do esgoto para a presença do agente infeccioso, chamou a atenção de grandes associações internacionais que atuam na área de saneamento, a exemplo da International Water Association (IWA), que no dia 08 de abril de 2020 realizou o Webinar Covid-19: A Water Professional Perspective. Um dos objetivos de aprendizado abordado nesse Webinar foi exatamente o que se busca conseguir por meio do projeto-piloto Detecção e quantificação do novo coronavírus em amostras de esgoto nas cidades de Belo Horizonte e Contagem: entender como a partir do monitoramento do esgoto pode-se detectar a presença e a disseminação do vírus em uma comunidade.
O projeto-piloto, denominado Monitoramento COVID Esgotos, é uma iniciativa conjunta da Agência Nacional de Águas (ANA), do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e do INCT ETEs Sustentáveis, em parceria com a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa MG), e a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES MG). O objetivo principal do estudo é realizar o mapeamento da ocorrência e abundância do vírus no esgoto em diferentes pontos nas sub-bacias sanitárias das cidades de Belo Horizonte e Contagem, adotando-se a mesma estratégia que vem sendo perseguida por países da Europa e também Estados Unidos.
Para entender mais sobre esse estudo continue a leitura.
Transmissão via fecal-oral do novo coronavírus?
Antes de comentarmos um pouco mais sobre o estudo, é importante trazer uma mensagem tranquilizadora no que diz respeito à possibilidade da transmissão via fecal-oral.
Embora o novo coronavírus tenha sido encontrado em amostras de fezes e de esgoto em outros países, ainda não existem evidências científicas de que o vírus encontrado esteja viável e infectivo e possa causar a doença, seja pela via fecal-oral (pela ingestão do vírus) ou pela inalação do mesmo através de aerossóis que contenham gotículas de fezes e esgoto. Avaliações desenvolvidas até o momento indicam que o risco de transmissão via fecal-oral é baixo. A Nota Técnica COVID-19: Transmissão fecal-oral? traz mais esclarecimentos quanto aos riscos de exposição ao novo coronavírus e as ações primordiais relacionadas ao setor de saneamento.
O foco principal na prevenção da disseminação da COVID-19 continua sendo o de lavar as mãos com água e sabão. Isso porque o sabão propicia a destruição do envelope lipídico do novo coronavírus, consequentemente inativando-o. Nesse sentido, reforça-se a premente necessidade de que o poder público disponibilize água em qualidade e quantidade suficientes para toda a população, notadamente para a parcela que vive em condições de vulnerabilidade e desprovida de serviços de abastecimento de água. O acesso à água deve ser medida prioritária, não só devido ao novo coronavírus, como também para evitar a propagação de várias outras doenças cuja transmissão fecal-oral já é há muito comprovada.
Em relação aos profissionais que atuam na área de esgotamento sanitário, estes não devem abrir mão da utilização de equipamentos de proteção individual (EPI), seguindo as medidas proteção e segurança ocupacional já adotadas como padrão para esses profissionais, as quais são eficazes na proteção contra o novo coronavírus e outros patógenos presentes no esgoto.
Agora vamos comentar um pouco mais sobre o estudo. Quais as contribuições que o estudo pode trazer? Continue a leitura que te contamos.
Contribuições do monitoramento da COVID-19 no esgoto
Como comentado anteriormente, o estudo tem como objetivo a detecção e quantificação do novo coronavírus em amostras de esgoto coletadas em diferentes pontos nas sub-bacias sanitárias das cidades de Belo Horizonte e Contagem, de modo a possibilitar o mapeamento da ocorrência do vírus no esgoto da área de estudo. Estas duas sub-bacias esgotam os efluentes gerados por uma população urbana da ordem de 2,2 milhões de pessoas (cerca de 71% da população urbana destas duas cidades).A detecção e quantificação do vírus, a partir de técnicas moleculares, subsidiará a elaboração de mapas dinâmicos, georreferenciados, para acompanhamento da evolução espacial e temporal da ocorrência concentrações do novo coronavírus, nas amostras de esgoto das regiões investigadas, durante o período da pandemia da COVID-19.
Esse estudo tem grande potencial para auxiliar no entendimento da circulação do novo coronavírus nas regiões investigadas, visto que há possibilidade de identificar áreas onde o vírus está mais ou menos presente. Assim, o estudo pode fornecer subsídios para as autoridades da área da saúde estabelecerem ações complementares (eventualmente prioritárias) de redução dos níveis de transmissão da doença e de proteção da população.
Além de possibilitar uma melhor orientação (e priorização) das ações de combate à doença, o estudo tem ainda o potencial de oferecer mais segurança para a definição das ações futuras (a cada uma ou duas semanas para frente) relacionadas ao fortalecimento ou abrandamento das orientações de isolamento social, eventualmente diferenciadas espacialmente.
Mas, quais as etapas desse estudo? Siga a leitura para saber mais.
Etapas do estudo
Os pontos de amostragem foram definidos em conjunto com a COPASA ao longo das sub-bacias dos ribeirões Arrudas e Pampulha/Onça, sendo 12 pontos em cada sub-bacia. Para definição dos pontos foram adotadas as seguintes premissas: i) regiões de população com índice de vulnerabilidade mais elevado (classes econômicas média/baixa); ii) regiões de classe econômica média/alta; iii) algumas regiões em que existe maior concentrações de hospitais referência para tratamento da doença.
A coleta das amostras de esgoto nos pontos definidos está sendo realizada, semanalmente, pela equipe operacional da COPASA, com apoio da equipe do INCT ETEs Sustentáveis. A COPASA disponibilizou 5 equipes operacionais para a realização das amostragens durante todo o período do estudo.
De forma geral, as amostragens seguem os seguintes procedimentos: i) isolamento da área de amostragem; ii) instalação de amostradores automáticos, desenvolvido pelo próprio INCT ETEs Sustentáveis; iii) coleta de amostras semicompostas; iv) homogeneização das amostras e acondicionamento no gelo.
As etapas ii a iv são todas realizadas pelo amostrador automático, sendo toda a programação realizada por um aplicativo de celular, fazendo com que se tenha um contato mínimo da equipe de operação com as amostras de esgoto. análise do novo coronavírus nos esgotos
Uma vez coletadas, as mostras são encaminhadas para processamento no Laboratório de Microbiologia do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG.
No laboratório, as amostras estão sendo processadas em 4 etapas: (i) concentração do vírus; (ii) extração do RNA viral; (iii) detecção e quantificação do vírus através de reação única de transcrição reversa e PCR em tempo real; e (iv) análise e interpretação dos resultados.
De posse das concentrações do material genético do novo coronavírus nas amostras de esgoto, serão elaborados gráficos e mapas georreferenciados.
Esses mapas georreferenciados tem como intuito representar, espacialmente e temporalmente, a ocorrência do novo coronavírus em diferentes pontos do sistema de esgotamento sanitário das sub-bacias dos ribeirões Arrudas e Onça.
Ainda há muito por vir e descobrir sobre o novo coronavírus e o INCT ETEs Sustentáveis está empenhado em contribuir com as pesquisas que tangem às questões de saneamento.
04-05-2020