Coronavírus ameaça segurança no transporte público
Circulação entre as diferentes áreas da cidade exige gerenciamento cuidadoso para que transporte público não vire difusor do coronavírus
Belo Horizonte assistiu a uma forte elevação dos casos da COVID-19 nas duas últimas semanas, sobretudo fora dos bairros com maior concentração de renda, majoritariamente atingidos no início da pandemia. A explicação, segundo especialistas, passa pelo retorno de boa parte dos empregos e pelo maior uso do transporte público, que, se não gerenciado da maneira correta, pode se tornar vetor da doença, acelerando sua propagação, principalmente entre os mais pobres. “A partir do momento em que pessoas voltam a ter contato no trabalho, o transporte coletivo pode vir a funcionar como difusor (do vírus) entre as classes sociais mais vulneráveis”, explica o urbanista e coordenador do curso de Engenharia de Transportes do Cefet-MG, Guilherme Leiva. Ele ressalta, no entanto, que se for bem gerenciado, o transporte público pode se tornar até mesmo uma ferramenta para garantir maior isolamento social em BH.
O temor de especialistas ouvidos pela reportagem é que essa transformação do transporte público em vetor da proliferação do novo coronavírus ocorra daqui pra frente, justamente no momento em que a estrutura de saúde do estado enfrenta dificuldades, com colapso na oferta de leitos de UTI e enfermaria em algumas regiões.
No início da pandemia, a maioria dos bairros afetados era de classe média e alta, caso do Buritis e Gutierrez, no Oeste da cidade, e do Lourdes e Funcionários, no Centro-Sul. Nas últimas duas semanas, porém, o quadro mudou: moradores de vilas e favelas passaram a ser vítimas. Para o engenheiro e urbanista Guilherme Leiva, esse movimento é consequência sobretudo da flexibilização das atividades e do convívio que a medida propicia. As pessoas se infectam, principalmente, ao conviver com colegas de trabalho e levam o vírus para dentro dos coletivos e do metrô, o que pode fazer do transporte público o vilão da história caso não seja bem gerenciado, explica. "O transporte coletivo, nesse segundo momento, se torna difusor do vírus. A contaminação passa a ser transversal", afirma.
Números ilustram o comentário do professor. Em boletim divulgado no dia 17, o número de casos em bairros com a palavra “vila”, em geral os mais pobres, em seu nome saltou para 38. No levantamento anterior, eram 10. Uma diferença de 280%. Além disso, o Alto Vera Cruz, uma das maiores favelas da cidade, se tornou a localidade com mais mortes: três, ao lado do Bairro Pompeia, ambos na Região Leste de BH.
Na tentativa de barrar o avanço da doença, não faltaram medidas para reduzir o número de usuários do transporte público desde o início da pandemia, dado que o ambiente fechado é ingrediente importante para a proliferação do coronavírus. A prefeitura chegou a suspender a gratuidade para idosos nos horários de pico, no intuito de desestimular as viagens desse grupo de risco quando os veículos estão mais cheios, mas a regra caiu depois de decisão judicial. Hoje, as armas contra a virose nos ônibus e no metrô são as já conhecidas por todos: álcool em gel, higienização frequente das estruturas mais expostas e o uso de máscaras. Mas isso basta? Além do mais, quem fiscaliza?
“Idealmente, a desinfecção deveria ser feita a cada viagem. Mas, o controle disso é muito difícil. Os órgãos públicos sempre têm dificuldade de fiscalizar. Isso vale para todos os serviços", pontua o presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental em Minas Gerais, Rogério Siqueira.
Exposição
Para o coordenador do curso de Engenharia de Transportes do Cefet-MG, Guilherme Leiva, a discussão ultrapassa a questão da higienização. “Em termos de operação, é preciso reduzir a capacidade dos veículos. Não se pode usar a lógica de cinco passageiros por metro quadrado. O ideal é um passageiro por m². Além disso, é importante você ter viagens mais rápidas. Identificar quais são os pontos prioritários e evitar paradas desnecessárias”, explica.
Segundo Leiva, desde que as concessões dos ônibus saíram, com exceção da entrada do sistema Move, poucas alterações foram feitas nas rotas dos coletivos na cidade. Isso faz com que haja uma espécie de retrabalho entre as linhas, o que numa pandemia é prejudicial. “Todos os estudos indicam que o contato imediato não é fator mais determinante para infecção, mas a longa exposição é peça-chave. Não podemos deixar de atender a população, mas com o volume de informações que a prefeitura tem, é possível garantir um isolamento social maior a partir da gestão do transporte”, opina o professor do Cefet.BHTrans e empresas
De acordo com o presidente da BHTrans, Célio Bouzada, o controle durante a pandemia começa já na administração da frota e no estudo sobre o quadro de horário dos coletivos. "Todos os dias, damos uma olhada como foi a frequência dentro do ônibus: viagem a viagem e linha a linha. Todos os dias, o quadro de horários se altera e a gente coloca mais viagens onde precisa”, diz. Atualmente, BH opera com uma frota de 2.853 veículos, cerca de 60% da frota.
Ele também ressaltou outras medidas adotadas pela BHTrans em conjunto com as empresas. Segundo ele, entre a semana atrasada e a passada, o número de passageiros dentro dos ônibus diminuiu. “O protocolo que adotamos é de restringir o número de pessoas em pé. É lógico que no decorrer da viagem, às vezes, você não consegue fazer esse controle. Mas é preciso ressaltar que todos os ônibus são higienizados completamente à noite e ao fim de cada viagem", completou. Célio Bouzada também alertou aos passageiros que evitem conversar dentro dos coletivos para a diminuição dos riscos.
Procurado, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (SetraBH) informou que o consórcio Transfácil tem realizado blitzes educativas nas estações com distribuição de máscaras. As empresas também têm distribuído cartões BHBus para evitar o uso do dinheiro vivo.
Dentro dos veículos, as empresas instalaram dispensers de álcool em gel em toda a frota, segundo o sindicato. Há, ainda, desinfecção "ao longo de todo o dia nas estações", bem como dos coletivos nas garagens. O produto usado é à base de álcool, detergente e cloro. Os motoristas do grupo de risco permanecem afastados do trabalho. Aqueles que estão em expediente, segundo o sindicato, recebem álcool em gel e instruções para adotar cuidados com a higienização pessoal.
Metrô
Já a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), responsável por gerenciar o metrô de BH, informou que elevou a circulação de trens acoplados durante a pandemia para aumentar a distância entre os usuários. A escala de horários também foi redimensionada: atualmente das 5h40 às 20h.
Segundo a CBTU, são feitas, em média, 118 viagens entre BH e Contagem. Cada trem, segundo números da estatal, carrega uma média de 2 mil pessoas por viagem atualmente, uma queda de 65% em relação ao habitual. Ainda de acordo com a companhia, a oferta de assentos é quase cinco vezes o número de usuários/dia.
Quanto à limpeza, a empresa informa que intensificou a desinfecção das catracas, sistema de bilhetagem, balcões, bilheterias, trens etc. A desinfecção usa produtos químicos e as equipes foram treinadas, segundo a CBTU, por militares das Forças Armadas. São 230 pessoas no trabalho em BH, uma média de 12 por estação. Há, ainda, um canal para denúncia de pessoas que desrespeitarem as normas: (31) 99999-1108.
Ferramentas para um futuro saudável
A relação do poder público com o transporte durante a pandemia traz à tona, mais uma vez, o debate da mobilidade urbana em Belo Horizonte. Especialistas defendem que, além da necessidade de educar os usuários num momento de crise da saúde pública e de protegê-los a partir de medidas de segurança, as autoridades precisam se preocupar com o cenário a longo prazo: passar a mensagem de que os ônibus e o metrô são inseguros pode ser prejudicial para uma metrópole mais “saudável” do ponto de vista urbanístico no futuro.
Estudar todos esses reflexos é o objetivo de um projeto de pesquisa financiado pelo Cefet e que conta com pesquisadores do Departamento de Sociologia e Antropologia da UFMG e do Programa de Engenharia e Transporte da UFRJ. Cientistas da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) também participam do grupo de trabalho.
Para o professor Guilherme Leiva, coordenador do curso de Engenharia de Transportes do Cefet/MG e membro do projeto, a comunicação é fator fundamental para não demonizar o transporte público durante a pandemia. “A gente não pode, por causa do medo das pessoas de andar de ônibus e metrô, voltar a supervalorizar o carro. A gente não pode encarar o transporte coletivo como um problema. Não podemos ter um individualismo cada vez maior na nossa sociedade”, alerta.
“É lógico que se a gente não cuidar, ele pode se tornar um vetor de transmissão, mas se for bem gerenciado, melhoramos o transporte da cidade. Com uma gestão eficiente, ele pode ser uma ferramenta muito mais útil que um problema. Uma cidade com menos carros, é uma cidade mais saudável, com qualidade do ar melhor”, completa o professor.
E a melhoria da qualidade do ar durante a pandemia, evidentemente reflexo do isolamento social, se traduz em números. Segundo estudo da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), a quarentena resultou, em maio, em uma redução de 45% do material particulado fino lançado na atmosfera, um dos mais prejudiciais à saúde humana.
Esses dados, para Guilherme Leiva, configuram uma oportunidade. “É preciso pensar em espaços públicos mais democráticos a longo prazo. Com calçadas mais largas, mais áreas verdes. É pensar no uso da bicicleta, do transporte público. É valorizar o espaço público, como se tornou tendência na Europa, por exemplo", pontua.
Alternativa
Por mais que seja ainda uma alternativa com ares utópicos, a empresa Marcopolo criou um ônibus, em parceria com a Valeo Thermal Bus Systems, com sistema ar-condicionado com luz ultravioleta. Essa tecnologia não mata o novo coronavírus, mas o impede de infectar seres humanos, conforme estudos conduzidos por pesquisadores de diferentes partes do mundo durante a pandemia. Além disso, em vez de usar duas fileiras com duas poltronas de cada lado, o coletivo foi construído com três filas, cada uma com um assento.
“Uma análise preliminar da qualidade do ar no interior do ônibus com esse equipamento ligado demonstrou condições ótimas do ar. O resultado, se identificado em um ambiente crítico, como serviços de saúde, seria comparável aos limites classificados como ótimos para enfermarias”, explica Luciano Resner, diretor de engenharia da Marcopolo.
O equipamento tem lâmpadas com vida útil de aproximadamente 8 mil horas e será vendido como opcional nos veículos da empresa, tanto para o mercado brasileiro quanto para o internacional.
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O que é o coronavírus?
Coronavírus são uma grande família de vírus que causam infecções respiratórias. O novo agente do coronavírus (COVID-19) foi descoberto em dezembro de 2019, na China. A doença pode causar infecções com sintomas inicialmente semelhantes aos resfriados ou gripes leves, mas com risco de se agravarem, podendo resultar em morte.
Como a COVID-19 é transmitida?
A transmissão dos coronavírus costuma ocorrer pelo ar ou por contato pessoal com secreções contaminadas, como gotículas de saliva, espirro, tosse, catarro, contato pessoal próximo, como toque ou aperto de mão, contato com objetos ou superfícies contaminadas, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos.
Como se prevenir?
A recomendação é evitar aglomerações, ficar longe de quem apresenta sintomas de infecção respiratória, lavar as mãos com frequência, tossir com o antebraço em frente à boca e frequentemente fazer o uso de água e sabão para lavar as mãos ou álcool em gel após ter contato com superfícies e pessoas. Em casa, tome cuidados extras contra a COVID-19.
Quais os sintomas do coronavírus?
Confira os principais sintomas das pessoas infectadas pela COVID-19:
Febre
Tosse
Falta de ar e dificuldade para respirar
Problemas gástricos
Diarreia
Em casos graves, as vítimas apresentam:
Pneumonia
Síndrome respiratória aguda severa
Insuficiência renal
Os tipos de sintomas para COVID-19 aumentam a cada semana conforme os pesquisadores avançam na identificação do comportamento do vírus.
Mitos e verdades sobre o vírus
Nas redes sociais, a propagação da COVID-19 espalhou também boatos sobre como o vírus Sars-CoV-2 é transmitido. E outras dúvidas foram surgindo: O álcool em gel é capaz de matar o vírus? O coronavírus é letal em um nível preocupante? Uma pessoa infectada pode contaminar várias outras? A epidemia vai matar milhares de brasileiros, pois o SUS não teria condições de atender a todos? Fizemos uma reportagem com um médico especialista em infecto
24-06-2020