Pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) desenvolveram uma forma de transformar o bagaço da cana-de-açúcar em areia para a construção civil. Eles afirmam que o uso do material aumenta a durabilidade de concretos e argamassas, além de beneficiar o meio ambiente.
O artigo em que o resultado da pesquisa foi publicado recebeu no fim do ano passado o prêmio Capes Natura-Campus de Excelência em Pesquisa no tema "Sustentabilidade: novos materiais e tecnologias" e os cientistas agora testam a confiabilidade do material em estruturas de concreto armado.A areia da cinza do bagaço da cana, ou ACBC, é pesquisada no campus de São Carlos (SP) desde 2008, sob orientação do professor Almir Sales, líder do Grupo de Estudos em Sustentabilidade e Eco-eficiência em Construção Civil e Urbana (Gesec).
De acordo com o professor, foi o próprio grupo de pesquisa que escolheu o termo ACBC para definir o material e desde então a nomenclatura vem sendo adotada por outros pesquisadores e em diferentes publicações.
"O nome geralmente utilizado nas usinas é simplesmente 'cinza do bagaço de cana', todavia, observamos que a maior parte desse resíduo possuía granulometria e grande quantidade sílica, então resolvemos chamar de Areia de Cinza do Bagaço de Cana, ACBC, por ser mais representativo", contou. A ideia de utilizar o resíduo na construção civil veio da necessidade de dar um destino mais sustentável e com valor agregado ao material. Segundo o grupo, o uso da ACBC diminui o impacto do setor de construção civil no meio ambiente, já que a extração da areia natural pode levar ao assoreamento e degradação dos cursos d’água e à remoção da vegetação, e evita o depósito das cinzas no solo, prática apontada por estudos anteriores como contaminante em determinados casos.
Método
Sales explicou que a técnica utilizada para chegar à ACBC é simples. "No processamento da cana, as diferentes etapas vão gerando partículas de diversas dimensões, desde a cinza pesada à leve e também a areia que vem em grande quantidade nos colmos da cana, principalmente na colheita mecanizada. O procedimento "pós-cinza" é apenas deixar a granulometria mais próxima da areia natural, para isso é necessário um tratamento de peneiramento e moagem", afirmou.
"Do processo de produção do açúcar e etanol é gerado o bagaço da cana. Esse, por sua vez, é queimado nas caldeiras, de forma controlada, para cogeração de energia elétrica nas usinas. O resíduo gerado a partir dessa queima é chamado de ACBC e geralmente é depositado nas lavouras, mesmo sendo pobre em nutrientes", complementou o doutorando Fernando do Couto Rosa Almeida, integrante do grupo de pesquisa e um dos autores do texto premiado.Resistência
Segundo Almeida, os melhores resultados para aplicação do material em concretos e argamassas foram notados, principalmente, quando houve a substituição de 30% da areia natural pela ACBC.
“Além das vantagens ambientais, a substituição da areia natural pela ACBC, em especial até 30%, pode levar à manutenção das propriedades mecânicas, preenchimento dos microporos e aumento da durabilidade de concretos e argamassas", disse o engenheiro civil.
"Traduzindo, é possível conseguir um concreto tão resistente quanto um concreto convencional, porém mais durável. Como o resíduo é mais fino do que a areia convencional utilizada, ele consegue diminuir a porosidade do concreto, dificultando a degradação”.Impacto
Questionado se existem outros estudos da mesma temática, Almeida disse que a ACBC já é pesquisada por alguns grupos ao redor do mundo, mas como substituta do cimento, não da areia.
Sobre o custo de produção, ele afirmou que um levantamento da pesquisadora Sofia Bressa mostrou que o concreto com ACBC é comparável a um concreto convencional e consegue ser ligeiramente mais barato quando analisado pelo Índice Custo/Resistência.
O pesquisador também lembrou que, como maior produtor mundial de cana-de-açúcar, o Brasil gera atualmente milhões de toneladas de resíduos e, como a maior parte disso provém do Estado de São Paulo, a inserção da pesquisa em uma universidade paulista pode contribuir para o desenvolvimento da economia regional.
Continuidade
"Atualmente, estamos com uma grande verificação da durabilidade no quesito corrosão, ou seja, se esse novo material poderá ser usado com confiabilidade em estruturas de concreto armado. Finalizando esses estudos, estimo de 1 a 2 anos, teremos praticamente verificado o conhecimento que possa balizar a normalização e uso da ACBC em argamassas e concretos", afirmou Sales. O orientador contou que algumas empresas têm procurado o grupo, mas elas geralmente querem o produto final e a produção do Gesec é laboratorial, não de grande escala.
"Acredito que, se alguma empresa do ramo sucroalcooleiro ou do ramo da construção civil investir nessa tecnologia, provavelmente sairá na frente em termos de lucratividade com respeito ao meio ambiente", afirmou. As companhias interessadas em desenvolver e aplicar a pesquisa podem entrar em contato pelo telefone (16) 3351-9659 ou pelo e-mail almir@ufscar.br.
*Sob supervisão de Stefhanie Piovezan, do G1 São Carlos e Araraquara
08-02-2017