Em Minas, o repasse de ICMS ecológico transformou-se numa indústria de APAS



Belo Horizonte, 6 de abril de 2017 – "Uma indústria de APAS": foi este o cenário encontrado pela Amda ao investigar a destinação do ICMs ecológico em 12 municípios de Minas Gerais. A entidade constatou que as Áreas de Preservação Ambiental (APAs) municipais não têm sede, programa de prevenção e combate a incêndios, fiscalização, funcionários e nem mesmo um gerente que responda por elas. Constatou também absoluto descaso das prefeituras que recebem ICMS pelas mesmas.

 

 

 

Criado pela Lei Estadual nº 12.040/2000, conhecida como "Lei Robin Hood", o ICMS ecológico prevê destinação de percentual do total do imposto arrecadado a municípios que abriguem unidades de conservação em seu território. Uma das expectativas era que o mecanismo funcionasse como estímulo à proteção da biodiversidade e da água, através da criação de novas áreas protegidas. Porém, passados 17 anos, o que se viu foi a explosão dessa "indústria" com a única finalidade de receber o recurso.

 

 

 

A lei não obriga que o recurso arrecadado seja investido nas UCs, mas há regras para repasse dos recursos que não estão sendo observadas pelo IEF e Fundação João Pinheiro, responsáveis pelo processo. A DN Copam 86/05 determina, por exemplo, que sejam vistoriadas por amostragem pelo menos 20% das unidades cadastradas pelas prefeituras, o que não está acontecendo. O IEF alega que não tem estrutura para tanto, mas continua recomendando o repasse dos recursos. De acordo com dados fornecidos pelo mesmo, atualmente, 359 municípios mineiros são beneficiados com o recurso e 544 áreas protegidas estão cadastradas.

 

 

 

Para produzir o documento, a Amda selecionou municípios que recebem valores mais significativos e concentrou as investigações nas unidades de conservação de proteção integral e APAs municipais. A apuração apontou que, com uma exceção, os municípios não ajudam os parques em questões primordiais, como combate a incêndios e manutenção de estradas, e praticamente todas as APAS existem somente no decreto de criação. A entidade usou como referência a arrecadação do mês de fevereiro de 2016, registrando que as informações obtidas nas prefeituras são da gestão que terminou no final daquele ano.

 

 

 

Exemplos

 

 

 

Buenópolis, localizado no Centro Norte do estado, recebeu R$ 50.334,47 por duas APAs municipais (Serra de Minas e Serra do Cabral), Parque Nacional das Sempre Vivas, Parque Estadual da Serra do Cabral e pelas Reservas Particulares do Patrimônio Natural Estadual (RPPNE) Fazendas Cabral e Lazão.

 

 

 

A Amda teve acesso aos laudos de vistoria realizada pelo IEF em agosto de 2016, após denúncias da própria organização, nos municípios que abrigam a APA Serra do Cabral (Buenopólis, Augusto de Lima e Joaquim Felício). Em visita anterior, técnicos da entidade já haviam identificado passivo de mineração de quartzo com ponta de aterro em cima de vegetação nativa e diversos processos erosivos dentro da mesma.

 

 

 

A vistoria do IEF não foi feita em campo. Mesmo assim, confirmou as informações coletadas pela organização: a APA é quase um fantasma. Não possui sede própria, plano de manejo, seus limites são confusos, não tem gerente ou funcionários.

 

 

 

Córrego Novo é outro exemplo dessa "indústria". Localizado no Leste de Minas, o município recebeu R$ 15.250,64. Segundo a prefeitura, a APA tem plano de manejo e conselho, mas não possui sede própria, gerente, guarda-parque e funcionários. No caso de incêndios, o secretário admitiu não possuir estrutura para combate.

 

 

 

Na RMBH, Ibirité é outro exemplo. Duas Áreas de Proteção Especiais Estaduais (Rola Moça/Bálsamo e Taboão), que pela lei nem são consideradas unidades de conservação, são responsáveis por repasse mensal de cerca de R$ 2.808,11 de ICMS à prefeitura. Pelo Parque Serra do Rola Moça, Ibirité recebeu R$ 27.446,92. O gerente do parque, Marcus Vinícius de Freitas, informou que a prefeitura nunca fez qualquer investimento na unidade de conservação.

 

 

 

As investigações feitas pela Amda mostram que além de não apoiar a UC, a prefeitura desrespeita normas básicas de proteção de sua zona de amortecimento, aprovando empreendimentos de significativo impacto ambiental, como loteamentos, sem ouvir o conselho da unidade de conservação, conforme previsto em lei, e obter anuência do órgão gestor do parque, o IEF.

 

 

 

No Vale do Jequitinhonha, São Gonçalo do Rio Preto arrecada, mensalmente, cerca de R$ 64.467,90 de ICMS Ecológico pelo Parque Estadual do Rio Preto, além da arrecadação indireta devido à frequência turística ao mesmo, que movimenta pousadas e comércio. A prefeitura da cidade admitiu que não tem estrutura de combate a incêndios, mas auxilia o parque, às vezes, apenas com a manutenção de estradas. Na UC, o sentimento é de insatisfação. "O parque é o cartão de visita da cidade, atrai turistas e gera renda, o município pouco ou nada faz por ele, não tem a mínima preocupação em ajudar a cuidar dele", desabafa um funcionário da unidade de conservação.

 

 

 

O município de São João das Missões, localizado no extremo norte de Minas, abriga em seu território a Reserva Indígena dos Xacriabás e, por isto, recebe ICMS ecológico. No mês de fevereiro de 2016, considerado neste documento, o município recebeu R$ 70.800,68. A Amda tentou contato com a prefeitura do município para saber sobre aplicação dos recursos, mas não foi atendida.

 

 

 

Os moradores da reserva indígena criam gado bovino de forma extensiva em áreas de vegetação natural e há indícios da prática constante de queimadas para forçar rebrota de capim nativo. São repetitivas denúncias de que os incêndios propagam-se inclusive para fora da reserva, atingindo a APA Cavernas do Peruaçu, como o que aconteceu recentemente. O fogo durou aproximadamente 30 dias e teria queimado aproximadamente 700 hectares.

 

 

 

Através de imagens de satélites e visita ao campo, a Amda constatou que a área da reserva, com dimensão de 70.000 hectares, apresenta alto grau de degradação ambiental, com destaque para os ambientes de veredas. Nessas áreas, a contínua repetição de intensos incêndios, ao longo de anos, afetou severamente a vegetação natural, sendo possível observar grande mortalidade de buritis e degradação das veredas.

 

 

 

Levantamento feito pela Amda (mapa abaixo), com base em dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), mostra centenas de focos de calor na Reserva dos Xacriabás nos últimos 15 anos.

 

 

 

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Conclusão

 

 

 

A Amda concluiu que, após 17 anos de sua criação, o ICMS ecológico não cumpre sua função de incentivo à proteção da água e da biodiversidade pelos municípios e melhoria da qualidade de vida de seus habitantes.

 

 

 

Pelas informações coletadas, praticamente todos os municípios investigados que recebem ICMS ecológico por unidades de conservação de proteção integral não têm interesse ou envolvimento com sua proteção, mesmo nos casos daqueles que são abertos à visitação pública e são âncoras de pousadas e serviços. Como já dito, a lei não atrela aplicação dos recursos do ICMS ecológico pela prefeitura nas unidades de conservação, o que seria inconstitucional. Porém, não proíbe e não há empecilhos legais para que os municípios façam isto.

 

 

 

O desinteresse dos municípios e a indústria de APAs são mantidos por lacunas nas normas que regem o assunto e pela ausência de fiscalização por parte do IEF para apurar veracidade das informações prestadas pelas prefeituras, apontando necessidade urgente de mudanças na lei e na DN 86.

 

 

 

Reavaliação da destinação dos recursos, revisão dos Fatores de Qualidade para prever mais rigor na avaliação dos municípios que devem receber o ICMS ecológico, previsão de exclusão ou suspensão do cadastro de municípios que descumprirem Fatores de Qualidade ou serem indutores de degradação das unidades de conservação e da zona de amortecimento das de proteção integral, exigência de Plano de Manejo implantado para inscrição no cadastro, moralização do processo de repasse através de fiscalização efetiva para comprovação das informações prestadas pelos municípios e de atividades econômicas ou de infraestrutura implantadas dentro das APAs municipais, previsão legal de transparência por parte do IEF do processo de apuração dos valores a serem repassados e das prefeituras no que se refere à aplicação dos recursos, são algumas delas.

 

O assunto será levado pela Amda à Câmara de Proteção da Biodiversidade (CPB) do Copam e à ALMG. Todas as prefeituras, pessoas e instituições citadas receberão cópia do documento.

 

Para mais informações: (31) 3291-0661 / 9.9879-7076

Assessoria de Comunicação

Amda - Associação Mineira de Defesa do Ambiente

07-04-2017