Após desastre em Mariana, água de poços se tornou imprópria para consumo



Estudo independente aponta contaminação por metais pesados em comunidades ribeirinhas ao longo do Rio Doce

 

Um novo estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro e financiado por um coletivo organizado pelo Greenpeace aponta que a água usada para consumo e irrigação em comunidades ribeirinhas ao longo do Rio Doce em Minas Gerais e Espírito Santo possui altas concentrações de ferro e manganês. Os números, dizem os autores da pesquisa, estão acima do permitido pela legislação ambiental brasileira e podem ser nocivos à saúde.

 

Segundo o relatório divulgado nesta terça-feira, há amostras com excesso de metais pesados nas três cidades analisadas: Belo Oriente (MG), Governador Valadares (MG) e Colatina (ES). Chama atenção o caso de Colatina. Apesar de localizada há mais de 400 quilômetros da barragem de Fundão, que em novembro de 2015 se rompeu lançando cerca de 40 bilhões de litros de lama na bacia do rio Doce, a cidade apresentou em amostras até 5 vezes a quantidade de manganês permitido pela legislação nos poços artesianos.

 

Uma possível explicação para o fenômeno é o fluxo mais lento da água do rio ao atingir a planície costeira. Segundo os pesquisadores, isso permitiria maior penetração no solo e no lençol freático.

 

A intoxicação por manganês pode afetar o sistema respiratório e o sistema nervoso central. Pode levar até mesmo a sintomas como embolia pulmonar e doença de Parkinson em casos graves. "É importante que a sociedade civil e o poder público cobrem da Samarco que ela monitore a saúde destas pessoas e arque com as despesas de tratamento", defende Fabiana Alves, coordenadora da campanha de águas do Greenpeace.

 

João Paulo Torres, chefe do programa de biofísica ambiental da UFRJ e coordenador do estudo, comenta que os efeitos sociais e econômicos de um desastre dessa magnitude são imensuráveis "e vão muito além da presença de metais pesados na água e no solo".Torres conta que, após a conclusão do estudo, a equipe da UFRJ voltou às comunidades visitadas para apresentar os resultados e conscientizar a população. No entanto, passados seis meses, em algumas comunidades já não havia mais moradores. Todos abandonaram as comunidades. "Sem o rio, eles perderam seu meio de vida; muitos se perguntavam para que permanecer em um rio que não serve a mais ninguém", relata, destacando que muitas lavouras até germinavam, mas as folhas se queimavam e morriam ao tocar o solo contaminado por metais "altamente oxidantes".

 

Em nota, a fundação Renova, criada pela Samarco para gerir os programas de reparação previstos no Termo de Ajustamento de Conduta assinado com os governos de Minas Gerais e Espírito Santo, afirma que avalia de maneira positiva pesquisas independentes que contribuam com o desafio da reparação socioeconômicas e socioambientais da Bacia do Rio Doce.

 

"Eles dizem ser rejeito inerte, mas aquela lama poderia ser explorada novamente para a extração de ferro se o mercado favorecesse. Não se trata de acidente nem despreparo, mas falta de interesse em preservar"

 

A entidade diz que "faz o monitoramento da qualidade da água da bacia hidrográfica em 115 pontos, de Mariana (MG) a Linhares (ES), tendo coletado e analisado 80 mil amostras do Rio Doce, afluentes e do litoral". Afirma também que, em parceria com a Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais), realiza um estudo para adequação socioeconômica e ambiental das propriedades ao longo da bacia, abordando também o suprimento hídrico dessas propriedades.

 

Sobre o impacto nas comunidades, a Renova defende que "foram desenvolvidas ações emergenciais para os agricultores, que incluíram o fornecimento de alimentação (8 mil toneladas de silagem) e de água para o gado e atendimento veterinário, além da construção de 200 quilômetros de cercas em algumas propriedades da área atingida. Também foram cultivados 150 hectares para substituição de forragem animal e de pomares afetados em 96 propriedades da região.

Poluição antiga

 

O estudo é baseado em 48 amostras obtidas em julho de 2016. Ainda que os pesquisadores acreditem na relação direta entre o desastre ambiental e a contaminação, não é possível provar a tese cientificamente. "Não é possível afirmar que os poços sofreram contaminação por conta da lama por falta de estudos prévios", afirma. "No entanto aquelas populações não apresentavam problemas de saúde ou com suas lavouras antes do derramamento da lama na água do rio."

 

Antes mesmo do rompimento da barragem da Samarco, a mineração de larga escala, realizada na região central mineira há décadas, já lançava poluentes em rios da bacia do Rio Doce. Uma tese de doutorado de 2012 da professora da UFOP Adivane Costa revela altas concentrações de soda cáustica e amina, uma substância cancerígena, no rio Gualaxo do Norte, subafluente do rio Doce. O Gualaxo do Norte foi o rio mais atingido pelo tsunami de lama de Fundão, que destruiu comunidades às suas margens.

 

João Paulo Torres critica o modo de produção da Samarco. Segundo ele, a lama que correu da barragem de Fundão possui concentrações de ferro muito semelhantes à da lama que é enviada pela empresa por seu mineroduto para o Espírito Santo, onde é beneficiada em pelotas de ferro. "Eles dizem ser rejeito inerte, mas aquela lama poderia ser explorada novamente para a extração de ferro se o mercado favorecesse. Não se trata de acidente nem despreparo, mas falta de interesse em preservar", comenta, afirmando ainda que a Samarco não revela os testes e fontes do suposto rejeito inerte.Eu sou a lenda

 

Em novembro de 2016 a reportagem da Motherboard encontrou o senhor Ivaldil de Souza, o único morador às margens do rio Gualaxo do Norte e um dos poucos remanescentes no povoado de Paracatu de Baixo, no município de Mariana, devastado pela lama. O fluxo violento atingiu suas terras, onde criava gado, mas não sua casa, em um terreno mais alto.

 

Souza explica que a lama que continua sobre as terras, e não foi removida (espécies de capins mais resistentes foram plantadas), impermeabilizou o solo e fez secar o poço da propriedade. "Talvez a água ainda servisse pra limpar ou regar, mas o poço secou e hoje dependemos de água mineral", conta.

 

Em comunidades ribeirinhas contempladas no estudo da UFRJ, a fundação Renova faz a distribuição de água potável para consumo humano. No entanto, em Colatina, no Espírito Santo, até mesmo esta água apresenta quase 3 vezes a quantidade de ferro permitida pelo Conama. Essencial para o organismo, o mineral pode causar náuseas, diarreias, doenças renais e hepáticas quando ingerido em grandes quantidades.

 

A fundação Renova comenta em nota que a água distribuída à população é tratada e que sua qualidade segue os padrões do Ministério da Saúde. Segundo ela, é feito o monitoramento semanal da água tratada por meio de análises feitas por laboratórios independentes e certificados pelo Inmetro.

18-04-2017