Simplicidade, baixo custo e eficiência para o meio ambiente e – especialmente – para a saúde da família do produtor rural. A Fossa Séptica Biodigestora, tecnologia desenvolvida pela Embrapa Instrumentação (São Carlos, SP) há pouco mais de 15 anos, agora é recomendada e faz parte de política pública do Ministério das Cidades.
A tecnologia social foi definida como referência no Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR), integrante do Programa Minha Casa, Minha Vida. Os agricultores familiares e trabalhadores rurais podem receber subsídio para construção ou reforma de banheiro e instalações sanitárias, desde que o tratamento do esgoto gerado ocorra de acordo com um dos modelos definidos na Portaria 268, de 22 de março deste ano.
De acordo com Marcelo Barreto Martiniano, analista de infraestrutura do Ministério das Cidades, o valor adicional de R$ 2.500,00, previsto no programa para a construção de cisternas ou de soluções de tratamento de efluentes, é um benefício específico para os produtores da região do Semiárido, onde a deficiência nessa área é maior.
“A meta do programa é atender 35 mil unidades rurais em todo o País”, explica Barreto. A Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil estão fazendo análise das propostas apresentadas pelas entidades privadas sem fins lucrativos e órgãos públicos representantes dos agricultores familiares.
Depois disso, será feita a consolidação das propostas pela Caixa em Brasília e a seleção final do Ministério das Cidades para a liberação dos recursos para as propostas selecionadas. A expectativa é que a relação dos beneficiados seja divulgada até o fim de junho.
Articulação para expandir o saneamento rural
A chefe da Assessoria Parlamentar, Cynthia Cury, conta que a incorporação da tecnologia no programa governamental exigiu articulação da Embrapa. “A Empresa foi inserida nos debates promovidos pela Subcomissão de Saneamento Ambiental da Câmara dos Deputados, onde a solução tecnológica foi apresentada e motivou uma visita dos parlamentares à Embrapa Instrumentação, em junho de 2016. Nessa oportunidade, além dos parlamentares, estavam instituições e técnicos da área”, explica.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE – PNAD 2013), o Brasil possui cerca de 29,8 milhões de habitantes morando na área rural e comunidades isoladas do País. No entanto, apenas 22% dessa população tem acesso a serviços adequados de saneamento básico e cerca de 5 milhões de brasileiros ainda defecam ao ar livre.
A estatística aponta que aproximadamente 24 milhões de pessoas no País sofrem com o problema crônico e grave da falta de saneamento básico. Atualmente, 1 bilhão de habitantes do mundo não têm acesso a banheiros, sendo nove em cada dez nas áreas rurais, e boa parte, utilizam a fossa negra, responsável pela contaminação das águas subterrâneas, ou fazem o descarte direto em rios e córregos, o que contamina a água superficial.
A Constituição Federal determina que os municípios são os responsáveis pelas ações de saneamento básico. No entanto, ainda são poucas as ações públicas locais que atuam na incorporação das tecnologias, com políticas que visem à universalização do sistema de saneamento básico na área rural.
“Infelizmente o Brasil ainda apresenta um grande déficit de coleta e tratamento de esgoto no meio urbano, e no meio rural essa carência é ainda muito mais dramática. Por isso, a transformação das fossas sépticas biodigestoras em política pública, acompanhada de iniciativas no âmbito dos estados e dos municípios, pode ter um efeito muito positivo, pois trata-se de uma tecnologia de baixo custo e fácil implementação”, explica o diretor de Pesquisa & Desenvolvimento da Embrapa, Ladislau Martin Neto.
“Na medida em que os municípios fortalecerem a necessidade de promover o saneamento básico no meio rural por meio de uma lei, uma obrigação, ou de uma recomendação muito forte, será uma vitória importantíssima”, acrescenta Martin Neto.
Parceria de Norte a Sul
Desenvolvida pelo pesquisador Antônio Pereira de Novaes (falecido) para tratar o esgoto do vaso sanitário sem provocar mau cheiro e mosquitos, e com a possibilidade de utilização do efluente como fertilizante, a Fossa Séptica Biodigestora recebeu o Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social 2003 e conquistou o produtor rural brasileiro de Norte a Sul.
Para compreender melhor o panorama de adoção da tecnologia, a Embrapa realizou um levantamento que indicou a presença de 11.601 unidades da Fossa Séptica Biodigestora em 286 municípios brasileiros, nas cinco regiões do País. O levantamento abrange as instalações feitas pela rede de 45 parceiros institucionais, como poder público, iniciativa privada e terceiro setor.
De acordo com o analista da Embrapa Instrumentação Carlos Renato Marmo essa quantidade de fossas instaladas beneficiou uma população aproximada de 57.500 habitantes. Os estados que mais iutilizam a tecnologia são Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.
O levantamento sinaliza que o acesso aos serviços de saneamento básico na área rural ainda é um dos principais desafios para vencer a crise sanitária que afeta a qualidade de vida e a saúde de milhares de pessoas no campo, pois, dos 5.570 municípios do território nacional, 4,45% adotaram as tecnologias sociais.
A influência do efluente
Em Exu, na Chapada do Araripe, no interior de Pernambuco, a situação começou a mudar a partir de dezembro de 2015, quando a Fossa Séptica Biodigestora foi implantada pela Associação dos Agricultores Familiares da Serra dos Paus Doias (Agrodóia), junto com a realização de um curso prático.
A parceria envolveu a Embrapa Instrumentação, Embrapa Agroindústria Tropical (Fortaleza, CE), Embrapa Algodão (Campina Grande, PB) e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE (campus Crato-CE) – que realizou o levantamento etnográfico para analisar as plantas da região e seus potenciais.
O efluente passou a ser utilizado na adubação de frutíferas exóticas e nativas no ecossistema denominado de Carrasco. Foi constatada maior sanidade nas espécies em que foi aplicado o biofertilizante no tronco, além de maior floração e frutificação.
“A graviola é a fruta com maior destaque no momento. Mas outras espécies como a pinha, a goiaba, citros, tamarindo, umbu da Caatinga, murta, cambuí, ingá, oiti, jaca, romã, nêspera, abacate, condessa, pequi e outras, vem sendo testadas o uso do efluente. Também aplicamos no urucum e estamos aguardando o resultado da produção”, diz Maria Silvanete Benedito de Sousa Lermen, presidente da Agrodóia.
A Associação
A Associação recebe por ano em torno de 2.500 pessoas que visitam a experiência da entidade e das famílias associadas. São agricultores, estudantes, pesquisadores, entidades da sociedade civil e órgãos de governo da região Nordeste e de outras partes do Brasil, além de estrangeiros de diversos continentes.
“Atuamos fortemente na capacitação das famílias locais e provocamos uma interação com o público visitante das experiências locais na perspectiva de difusão das mesmas para outras famílias e comunidades. Nossa meta é expandirmos esta e outras tecnologias para as demais famílias da comunidade”, complementa Maria Lermen.
“Parcerias como essa em Exu representam o caminho que temos percorrido para a adoção da tecnologia. Constatamos que é fundamental o apoio da extensão rural – pública ou privada – para levar a Fossa Séptica Biodigestora e seus benefícios a mais produtores rurais, principalmente, em áreas mais carentes do Brasil”, avalia o pesquisador Wilson Tadeu Lopes da Silva, que coordena os trabalhos nesse tema na Embrapa Instrumentação.
Políticas Públicas
“Outro gargalo é a questão do apoio financeiro por meio de políticas públicas para que os interessados possam comprar o material necessário para a montagem da tecnologia. Com a portaria, a expectativa é que o acesso aos recursos seja mais rápido e que o saneamento básico se torne realidade cada vez mais presente no meio rural, gerando benefícios econômicos, ambientais e sociais”, finaliza Wilson da Silva.
16-08-2017