Biocarvão feito com resíduos é testado como condicionador de solo



Transformar um passivo ambiental em insumo benéfico para a produção de madeira e de alimentos é o objetivo de uma pesquisa que está testando o uso de biocarvão, ou biochar, feito de pó de serra, restos vegetais, cama de frango e lixo urbano, como condicionador de solo. O estudo, iniciado em 2012 pela Embrapa Agrossilvipastoril (MT), busca comprovar a eficácia do biochar em cultivos tanto em viveiros de mudas quanto no campo.

 

Condicionadores são substâncias que, agregadas ao solo, ajudam a melhorar suas características químicas, físicas e biológicas, aumentando a capacidade de suporte de plantas. É o caso do biocarvão obtido da queima controlada, ou pirólise, de diferentes compostos, de origem animal ou vegetal, que contribui para o aumento da matéria orgânica no solo. Esse material permanece no local por um longo período, por isso o efeito benéfico é duradouro, favorecendo seu uso em plantios florestais. “Carvão é um carbono que não é perdido facilmente. Uma palhada, se você não continuar repondo-a, vai embora em dez anos. Já o biochar permanece por muito mais tempo”, ressalta a pesquisadora da Embrapa Fabiana Rezende.

 

O biocarvão pode ser obtido a partir de diferentes matérias-primas, entre elas resíduos de agroindústrias, de restaurantes e até mesmo lama proveniente do tratamento de esgoto, de modo a se dar um novo uso a um passivo ambiental. No caso da pesquisa conduzida pela Embrapa em Sinop (MT), o foco está no uso de pó de serra. O produto é abundante na região norte de Mato Grosso como resíduo da indústria madeireira e representa um passivo ambiental importante para a região. Com a transformação em biocarvão, esse material retorna ao sistema produtivo como um insumo.

Teste em produção de mudas

 

Na primeira etapa dos testes, o biocarvão feito de pó de serra foi usado em diferentes quantidades na produção em viveiro de mudas de pau-de-balsa, eucalipto, teca e também maracujá. O uso desse material no solo visa à melhoria da qualidade do substrato, aumentando a porosidade, a aeração e a capacidade de retenção de água e nutrientes, características importantes para potencializar o crescimento das mudas.

 

Dependendo da forma de queima, com processamentos químicos ou físicos, o carvão pode ser artificialmente ativado, o que significa que ele exercerá seu papel de condicionador do solo mais rapidamente. Porém, o biocarvão não ativado acaba se ativando naturalmente ao longo do tempo.

 

As avaliações de desenvolvimento da planta, qualidade da muda e quantidade de matéria seca mostraram que as mudas cultivadas com biocarvão ativado junto com substrato comercial tiveram melhor desempenho do que aquelas cultivadas somente em substrato comercial. Isso significa mudas maiores, com maior capacidade de sobreviver ao plantio em campo e com melhores condições de crescimento inicial.

 

Ao mesmo tempo, foi feita uma avaliação econômica de cada formulação, que mostrou que a melhor alternativa para obter ganhos produtivos economicamente viáveis na produção de mudas é o uso de biocarvão ativado na proporção de um quarto (¼), ou seja, uma parte de biocarvão para três partes de substrato comercial.

Testes em campo

 

Após finalizada a avaliação em viveiro, as mudas de duas espécies, eucalipto e teca, foram levadas a campo, onde se iniciou a segunda e mais longa fase da pesquisa. Nessa etapa, o estudo compara plantas que não receberam biocarvão com outras que receberam diferentes dosagens de carvão ativado e não ativado aplicadas no sulco de plantio.

 

De acordo com Fabiana Rezende, como trata-se de espécies florestais, ainda é cedo para se chegar a conclusões sobre a melhor estratégia de uso do biocarvão. Avaliações parciais mostram que, no momento, a resposta das plantas ao biocarvão ativado foi melhor, porém o teor de carbono no solo é maior onde foi usado o carvão não ativado.

 

“Usamos uma dose grande de carvão não ativado, por volta de 30 toneladas por hectare. Já o ativado nós colocamos por volta de oito toneladas, pois sabemos que ele já é reativo. Mas o biochar sem ativação vai naturalmente se ativar com o tempo. Queremos saber se vale a pena usar o ativado, pois ele sai mais caro. Hoje o ativado é melhor para o crescimento das plantas, mas com o tempo talvez isso mude”, pondera a pesquisadora, lembrando que, no caso da teca, por exemplo, a planta nem sequer atingiu um terço dos cerca de 20 anos que levará até o corte.

Novas frentes

 

Paralelamente à primeira pesquisa, outro trabalho iniciado recentemente, em parceria com a cooperativa Coopernova, avalia o uso da mistura de biocarvão com compostagem para a produção de maracujá.

 

Nesse ensaio, foi produzida uma compostagem com uso de silagem de milho velha, esterco bovino, casca de arroz e cascas de frutas e vegetais descartadas por restaurantes. A compostagem foi aplicada sozinha durante o plantio de parte das mudas, e em outras foi misturada a tipos distintos de biocarvão. Dentre eles, biocarvão de origem animal, feito com a queima de cama de frango, e de origem vegetal, originado da pirólise de casca de arroz em diferentes temperaturas (400ºC e 600ºC).

 

“Matéria orgânica animal é mais rica em nutrientes e a vegetal tem uma relação de carbono maior do que os demais elementos. Quando agregamos materiais, conseguimos enriquecer mais o produto final. Teremos benefícios de um material que acumula mais carbono no solo, ao mesmo tempo em que teremos um que leva nutrientes para o solo”, explica Fabiana Rezende.

 

De acordo com a pesquisadora, a variação da temperatura da queima e da matéria-prima resulta em diferentes produtos, o que influenciará na cultura em que o biocarvão será aplicado.

 

Ainda em fase inicial, esse trabalho avaliará aspectos produtivos, sanitários e econômicos da produção de maracujá de acordo com o tipo de condicionador de solo utilizado.

De olho no futuro

 

Para Fabiana Rezende, assim como já ocorre em países como China, Japão e Austrália, o biocarvão terá papel importante no aumento da capacidade produtiva do solo. Nesses países, grandes indústrias de pirólise aproveitam diferentes tipos de resíduos para produzir o insumo.

 

“A exploração madeireira como é feita hoje vai acabar. O plantio florestal será importante. Conseguir plantar essas florestas e elas produzirem mais em uma área menor será fundamental. O biochar vai fazer uma melhoria do solo para que se produza mais em uma mesma área, aproveitando resíduo da própria indústria madeireira”, resume.

 

Fonte : Gabriel Faria – Embrapa Agrossilvipastoril

31-10-2017