Um intrincado cipoal jurídico e regulatório é o principal desafio a ser desbravado por BNDES [BNDES.UL] e governos estaduais interessados em atrair recursos com privatizações de empresas estaduais de saneamento, o que deve fazer o banco e os Estados buscarem outras saídas, como parcerias e concessões.
Capital Privado no Saneamento
Para ajudar a corrigir o déficit nacional de quase 50 por cento na coleta de esgoto e de quase 20 por cento na oferta de água, o governo federal anunciou no início do ano, no âmbito de seu programa de desestatizações, que o BNDES auxiliaria governos estaduais interessados em parcerias com o setor privado na área de saneamento.
Mais de 15 Estados foram incluídos no projeto, com as primeiras licitações previstas para ocorrer no ano que vem. O trabalho já começou e para alguns Estados o BNDES já contratou estudos de engenharia, jurídicos e econômicos para fazer um diagnóstico da situação e apresentar propostas de modelos para busca dos recursos privados.
Segundo o chefe do Departamento de Saneamento da área de desestatização do BNDES, Guilherme Albuquerque, são sete os Estados que já estão com estudos em andamento: Pará, Ceará, Alagoas, Sergipe, Amapá, Acre e Pernambuco. “Estamos em meio aos estudos, que têm previsão para terminar esse ano. E assim esse ano proporíamos para eles os modelos”, disse Albuquerque.
Cada estado terá um modelo próprio, mais adequado a suas necessidades de investimento e perfil jurídico dos contratos. “O objetivo é viabilizar projetos já para o ano que vem, mas isso ainda depende de aprovações estaduais e municipais”, disse Albuquerque, sem fazer previsão sobre qual Estado pode ter a primeira licitação.
A previsão do BNDES é de que as primeiras licitações para escolher parceiros devem ocorrer até o fim do primeiro trimestre do próximo ano.
O banco não informou qual dos sete Estados mais adiantados deve ser o primeiro a realizar leilão. Uma das principais dificuldades no setor de saneamento é que o poder concedente são os municípios, diferentemente de outras áreas da infraestrutura já tradicionais no ingresso de recursos privados, como energia elétrica ou telecomunicações.
Isso dificulta a criação de uma agência reguladora federal, como acontece no setor elétrico, nos transportes e na telefonia, e faz com que a regulação ocorra localmente, aumentando o risco para os investidores. “Você tem municípios que sequer têm agência reguladora. E isso introduz um grande risco. Não havendo uma agência para definir as tarifas tecnicamente, o prefeito e o governador podem manipular a tarifa politicamente”, disse o consultor em infraestrutura Frederico Turolla, sócio da Pezco Economic and Business Intelligence.
Apesar de afirmar que não há intenção de mudar a legislação para criar uma agência federal, Albuquerque, do BNDES, disse que existem discussões dentro do governo para se buscar algum tipo de diretriz regulatória básica para auxiliar Estados e municípios na regulação, ideia que tem o apoio de Turolla. “Algum órgão nacional poderia oferecer padrões normativos, como padrões de revisão tarifária”, disse o consultor.
O fato da titularidade dos serviços ser municipal dificulta também uma privatização pura e simples das empresas estaduais de saneamento. Turolla explicou que hoje as empresas estatais estaduais prestam o serviço aos municípios por meio de “contratos de programa” assinados com as prefeituras.
Esses contratos são exclusivos entre entes públicos e perderiam efeito se a empresa for privatizada, obrigando o eventual comprador a renegociar individualmente com cada prefeitura. Por conta disso, apesar de privatizações não estarem sendo descartadas, outros modelos estão sendo estudados pelo banco e as consultorias, como subconcessão dos contratos de operação a empresas privadas, sem vender a estatal, e parcerias público-privadas (PPPs).
“O objetivo principal do plano é ter um modelo que possibilite os investimentos, não é aumentar a participação privada por si só”, disse Albuquerque, do BNDES.
Para Hamilton Amadeo, presidente de uma das maiores empresas privadas de saneamento do país, a Aegea, o papel do capital privado no setor é complementar ao do poder público. “A iniciativa privada não vai substituir as empresas públicas. O sistema é muito grande, tem muita gente e em um ambiente em que você precisa ampliar a cobertura, não faz sentido um operador entrar no lugar de outro”, disse.
O executivo acredita que o país precisa de cerca de 500 bilhões de reais em cerca de 20 anos para ter 100 por cento de cobertura nos serviços de água e pelo menos 90 por cento em esgoto. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis), do Ministério as Cidades, em 2015 o atendimento total de água no país era de 83,3 por cento, enquanto a coleta de esgoto ficava em 50,3 por cento.
Amadeo acredita que se o processo de concessões for bem-sucedido, será possível elevar dos atuais 8 por cento para até 35 por cento, em 20 anos, a participação do setor privado na prestação dos serviços de saneamento.
O executivo disse que a Aegea tem interesse em entrar no processo de concessões, mas não antecipou quais contratos interessam mais ao grupo, que hoje já atende 5,4 milhões de pessoas em 48 municípios de 10 Estados brasileiros. “Como ninguém ainda sabe da modelagem, não dá para antecipar”, disse.
Fonte: Terra
20-11-2017