Falta de repasse de verbas ameaça ações de comitês de bacia em Minas



Anos de trabalhos em projetos para recuperação ambiental, de elaboração de plano de saneamento e de revitalização de nascentes estão em xeque. Se de um lado as condições meteorológicas na estação chuvosa favoreceram a recuperação de cursos d’água em Minas, os 36 comitês de bacia mineiros, responsáveis entre outras coisas por desenvolver projetos de revitalização, continuam enfrentando uma seca severa no que diz respeito a recursos públicos. Considerado um dos mais atuantes e representativos do país, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas denuncia a retenção irregular pelo governo de Minas de recursos relativos à cobrança pelo uso da água, à qual têm direito 12 entidades. No caso dos repasses do Fundo de Recuperação, Proteção e Desenvolvimento Sustentável das Bacias Hidrográficas do Estado de Minas Gerais (Fhidro) – que sustenta outras 24 entidades – o atraso chegaria a sete anos e somaria R$ 250 milhões.

 

Dados da Agência Peixe Vivo – que presta apoio operacional ao Comitê do Rio das Velhas – apontam que os valores arrecadados e não repassados entre 2016 e 2017 já totalizam quase R$ 16 milhões, apenas no caso da entidade. O comitê do Rio das Velhas recebe por três tipos de uso da água: captação, consumo e lançamento de efluentes. “Esse dinheiro é pago sobretudo por usuários que consomem quantidades significativas de água. Ele passa pelo governo, mas como regra deveria ser repassado imediatamente ao comitê”, informa a assessoria de imprensa da CBH Rio das Velhas, acrescentando que o recurso vem sendo retido.

 

Segundo a Agência Peixe Vivo, nenhum recurso da cobrança arrecadado no exercício de 2017 foi repassado ainda – o que totaliza déficit de 15.985.516,34. O comitê explica que 7,5% do repasse são para o custeio operacional e 92,5% para investimento em estudos, programas, projetos e obras. Em 2016, foram repassados três trimestres para o custeio operacional e apenas parte da receita de um trimestre para os investimentos, restando a receber, pelos cálculos da entidade, R$ 5.443.106,56.

 

A situação ameaça parar o comitê em alguns meses e, com ele, diversos projetos de recuperação ao longo da bacia, sobretudo o Revitaliza Rio das Velhas. No que diz respeito ao orçamento para custeio em 2018, a agência informa ter em caixa hoje algo em torno de R$ 426 mil – o que arcaria com os custos de operação, em tese, somente até agosto de 2018. O presidente do CBH Rio das Velhas e do Fórum Mineiro de Comitês de Bacia Hidrográfica (FMCBH), Marcus Vinícius Polignano, classifica o cenário como preocupante: “Estamos queimando tudo o que tínhamos nesses dois anos de repasse zero do governo. O que está em jogo é o futuro do comitê e de toda essa estrutura já criada. Tudo o que nós fizemos pode ir por água abaixo”.

 

O Comitê de Bacia do Rio das Velhas foi criado pelo Decreto Estadual 39.692, de junho de 1998, com intuito de promover a viabilização técnica, econômica e financeira do desenvolvimento sustentado da bacia. Desde a criação, foram concluídos dezenas de projetos. Entre eles, o Revitaliza Rio das Velhas, que planejava, até 2020, investimento de cerca de R$ 50 milhões em ações que envolvem a melhoria da qualidade da água e a redução da poluição, o tratamento de esgotos, a conservação e a produção de água, a gestão ambiental e a participação social.

 

No ano passado, foi assinado termo para o início do programa de revitalização do rio. O pacto, que reúne o comitê, as prefeituras que integram a bacia, a Copasa e a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad) tem a meta de estabelecer compromisso por uma atuação sistêmica com objetivo de alcançar a disponibilidade de água em quantidade e qualidade, para garantir múltiplos usos e a segurança hídrica em toda a bacia, especialmente da Região Metropolitana de Belo Horizonte, que tem no rio uma de suas principais fontes de abastecimento.NASCENTES Dos projetos em curso do programa Revitaliza, dois têm como foco as nascentes urbanas de duas das principais sub-bacias que atravessam a Grande BH: dos Ribeirões Onça e Arrudas. O primeiro, em fase avançada de execução, prevê o cadastro e caracterização de 600 nascentes na região e a formação de cuidadores para essa fonte de água. Segundo o comitê, o trabalho inclui o desenvolvimento de ações de mobilização social e educação ambiental e o plantio de mudas nativas em pontos da bacia do Onça. Já no caso do Arrudas, as ações visam à recuperação e à conservação de nascentes urbanas em Belo Horizonte e Sabará, buscando uma melhoria de qualidade e quantidade dessas águas.

 

A assinatura do termo ocorreu depois da terceira edição da expedição “Rio das Velhas, te Quero Vivo”, que percorreu mais de 100 quilômetros de caiaque, de Ouro Preto a Santa Luzia, e foi acompanhada pela equipe do Estado de Minas. Além do cenário de poluição do curso d’água, a reportagem também constatou deficiência na fiscalização. “Todo esse trabalho pode ser interrompido”, frisa o presidente do comitê. Ele não descarta o caminho da Justiça para o caso, mas ainda confia na negociação. Está prevista para hoje reunião entre integrantes de comitês e representantes do governo do estado, em busca de saída para o impasse.

 

Semad busca regularização

Segundo a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad), desde 2015 o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), em resposta à solicitação dos comitês, tem apoiado diretamente as entidades com recursos previstos na legislação do Fhidro. “O custeio dos comitês para suas atividades e reuniões são exemplos desse apoio”, informou em nota a secretaria, acrescentando que 14 funcionários estão empenhados nessa finalidade. Ainda de acordo com a pasta, para dar maior autonomia aos comitês, será publicado um edital público para chamamento de entidades do terceiro setor que possam viabilizar a criação de uma secretaria-executiva que apoie as entidades.

 

Já em relação à cobrança pelo uso da água, a Semad informa que governo está definindo um cronograma para regularização do pagamento, considerando o grave momento econômico enfrentado pelo estado. “Vale ressaltar que nenhuma atividade foi interrompida por ausência de recurso. O governo está acompanhando com as agências seus cronogramas físicos e financeiros, para que nenhuma atividade seja prejudicada”, destacou texto encaminhado pela secretaria.

20-04-2018