Cinco anos depois de o Brasil se comprometer a universalizar o acesso à água potável, mais da metade da população não tem o recurso. Resultados insignificantes mostram que o próximo presidente não conseguirá resolver o problemaPelo menos uma promessa, se feita pelos candidatos, os eleitores podem duvidar que o próximo governante conseguirá levar adiante: atingir todas as metas do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) dentro do prazo estipulado. Passados cinco anos desde que o Brasil se comprometeu a universalizar o acesso à água potável, entre outros pontos, mais da metade (55%) da população ainda não pode contar com tratamento de esgoto. Dois em cada 10 brasileiros não têm água de qualidade. Os resultados estão distantes do que estimava o governo quando assinou o documento.
Se o plano estivesse dando certo, 93% dos brasileiros teriam acesso à água tratada ainda este ano e 76%, à coleta de esgoto. Mas a realidade está bem distante disso: 83,3% e 51,9%, respectivamente, têm essa sorte, de acordo com dados mais recentes do Ministério das Cidades. Além disso, só 44,9% do esgoto é tratado, longe dos 69% previstos. “A situação é crítica. Quando a população tem coleta de esgoto, não tem tratamento adequado, que é o que permite a recuperação da água. Precisa de muito mais investimento do que temos atualmente na área”, afirma o professor do departamento de engenharia civil e ambiental da Universidade de Brasília (UnB) Demetrios Christofidis, doutor em gestão de recursos hídricos e desenvolvimento sustentável.
Para que seja possível universalizar os serviços até 2033, como prevê o plano, o país precisará praticamente quadruplicar os R$ 6 bilhões destinados ao setor em 2017 e investir, todos os anos até lá, R$ 21,6 bilhões, de acordo com estimativas oficiais, o que tanto especialistas quanto integrantes do governo consideram inviável. Caso sejam mantidos os níveis recentes de investimento, as metas só serão atingidas depois de 2050, com mais de vinte anos de atraso, estima a Confederação Nacional da Indústria (CNI). No primeiro semestre deste ano, o setor recebeu do governo R$ 2 bilhões, menos de 10% desse valor — montante que deve chegar aR$ 6 bilhões até o fim do ano, com outros R$ 4 bilhões que devem ser liberados nos próximos meses, contabiliza o Ministério das Cidades. Se a previsão se concretizar, 2018 fechará com o mesmo investimento de 2017 em saneamento, quase metade dos R$ 11,5 bilhões repassados em 2016. A queda, segundo a pasta, se deve à crise fiscal.
Tiro no pé
Mas, mesmo no auge do investimento em saneamento básico, o Brasil nunca aplicou mais que os R$ 12,2 bilhões que foram destinados ao setor em 2014. Inclusive, desde que o país se comprometeu com as metas, o montante vem diminuindo a cada ano, apesar de contrapartidas grandes na área da saúde e na economia do país. “A infraestrutura é cara, mas é a que mais traz benefícios. Os recursos aplicados em saneamento básico voltam para a população com redução de gastos em saúde pública, educação, aumento de valor dos imóveis, produtividade”, diz o presidente executivo do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos.
Aumentar em R$ 3,8 bilhões nos investimentos do setor de saneamento produziria acréscimo de R$ 11,9 bilhões no valor bruto da produção total do país e geraria 221 mil postos de trabalho, segundo estudo da CNI. Em outras palavras, a cada R$ 1 investido no saneamento, o retorno é de R$ 2,50 ao setor produtivo. Sem contar a economia em gastos com saúde, a valorização de imóveis e o aumento na produtividade dos trabalhadores. O saneamento de qualidade “melhora a qualidade de vida e torna pessoas mais produtivas”, afirma Édison Carlos.
Na vizinhança do Planalto
A cerca de 20km do Palácio da Alvorada, onde o próximo Presidente da República vai morar, está situada a invasão no setor de chácaras Santa Luzia, na Estrutural. Cerca de 3.800 pessoas vivem na área que carece de infraestrutura e saneamento básico. Um pequeno recorte do que acontece no país: hoje, 100 milhões de brasileiros não contam com coleta de esgoto e mais de 35 milhões não têm acesso à água potável, segundo dados do Ministério das Cidades.
Entre as pessoas que convivem diariamente com esgoto a céu aberto está José Damasceno, 54 anos, que trouxe a família do Piauí para morar na invasão, na Estrutural. “Achei que, em Brasília, por ser a capital do país, eu teria pelo menos o básico para sobreviver”, conta. Mas, no barraco onde ele mora, não tem água encanada, nem luz e tratamento de esgoto. Os dejetos da família vão para uma fossa que foi instalada por ele, e a água para a alimentação é retirada de um poço.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), havia 2.276 poços rasos, freáticos ou cacimbas em 2017. Um aumento em relação ao ano anterior, quando o órgão contou 2.025. “O Brasil é um país que nunca investiu muito em saneamento. Sempre foi um setor no qual foram buscadas alternativas locais. Então, as pessoas criavam fossas, poços, esse tipo de alternativa que acaba gerando problemas de saúde”, afirma a especialista em infraestrutura Ilana Ferreira, da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
O barraco construído a poucos metros do antigo maior lixão da América Latina, onde José mora com a família, é quente, úmido, escuro, e o cheiro de gordura é forte. A família relata que gatos domésticos são necessários, pois ratos de esgoto e baratas são comuns. O esgoto a céu aberto também passa na porta da casa da ex-catadora de lixo Wania Solano, 37 anos, que mora com o marido e as duas filhas. O local não é asfaltado, e o odor do esgoto é forte, a lama de dejetos resseca na terra e a poluição afeta principalmente as crianças que costumam brincar no local.
Saúde
Wania e a família tiveram infecção intestinal devido às condições da água. Segundo ela, a água do poço, que é utilizada para consumo próprio, estava infectada pela água do esgoto. “Eu vivo assim há três anos, porque não tenho condições de pagar aluguel. O meu maior desejo é que os governantes olhem para nós como seres humanos, e não bichos”, afirma. Uma exigência razoável diante de dados preocupantes, como o fato de que 1,9 milhão de crianças morrerem todos os anos por conta da diarreia, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Oito em cada 10 mortes por esse motivo são atribuídas à má qualidade da água, ao saneamento inadequado e à falta de higiene.
“É só o cano do esgoto estourar que as doenças por aqui começam. Meu filho está há três dias doente, com virose, devido à contaminação que pegou”, conta Elton Barbosa, 32, morador do setor habitacional Sol Nascente. A rede de tratamento de esgoto começou a ser implantada pela Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) no local há cerca de seis meses. Ainda hoje, alguns moradores afirmam que frequentemente os canos entopem e as casas ficam alagadas pelos dejetos.
Ilana, da CNI, lembra que R$ 1 de investimento em saneamento economiza R$ 4 em gastos com saúde, “números ainda maiores, no caso brasileiro, porque, dependendo de quão carente é a região, é maior”. Além da diarreia, doenças como febre amarela, dengue e zika estão associadas à falta de saneamento adequado. “Saneamento de qualidade é como uma vacina social”, resume o professor do departamento de engenharia civil e ambiental da Universidade de Brasília (UnB) Demetrios Christofidis, doutor em gestão de recursos hídricos e desenvolvimento sustentável.
Assim como as políticas de saneamento básico, o marco regulatório do setor também não teve grandes evoluções nos últimos anos. As diretrizes nacionais foram estabelecidas por lei em 2007. Mais de uma década depois, em 6 de julho deste ano, o presidente Michel Temer enviou ao Congresso medida provisória com o objetivo, segundo ele, de “atualizar as regras do setor”. Mas, embora esteja em vigor desde então — e pelos próximos cinco meses, caso seja prorrogada —, a medida não deve ser votada nos próximos meses.
A MP de Temer tira a regulação dos serviços de saneamento das mãos do Ministério das Cidades e passa para a Agência Nacional de Águas (ANA), e permite que a iniciativa privada concorra com o setor público com as mesmas condições para prover abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos e drenagem urbana. Na prática, a medida obriga os municípios a realizarem licitações na hora de contratar as concessionárias de saneamento básico, como acontece com as empresas privadas.
A especialista em infraestrutura Ilana Ferreira, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), afirma que não se trata de um mecanismo para privatizar todas as companhias de saneamento, mas uma medida que tem por objetivo melhorar a qualidade do serviço. “Se puder ser aumentada com parceria com o setor privado, que seja. Se puder ser sem, não tem problema também. A gente sabe que o setor de saneamento precisa de um modelo híbrido. Não há embasamento ou estudos para nenhuma das afirmações, nem que tem que privatizar tudo nem que não tem que privatizar nada”, diz.
Reações
A proposta é vista como essencial por entidades como a CNI, que afirma que ela “traz mecanismos mais eficientes de colaboração entre os entes federativos”, mas rechaçada por associações ligadas ao setor de saneamento, agências reguladoras e entidades de municípios, que pretendem recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubá-la. A CUT anunciou, na última quinta-feira, que irá propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a medida.
Na última terça-feira, grupos contrários se manifestaram contra a MP, com atos em várias capitais, como Fortaleza e Curitiba, liderados por quatro entidades: Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes), Associação Brasileira de Agências de Regulação (Abar), Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe) e Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae). Elas pretendem enviar manifesto para parlamentares nas próximas semanas. “O impacto dessa ação será sentido diretamente pela população mais carente, em um momento em que os recursos para a saúde estão congelados por 20 anos. Ou seja: não investiremos em saneamento para prevenir doenças”, diz o documento.
Um dos principais problemas apontados pelas entidades é o fato de que a MP amplia a possibilidade de atuação das empresas privadas na administração dos serviços ao colocar o negócio da concorrência. “Como o que interessa é o lucro, essas empresas não vão se interessar pela administração do sistema em municípios de menor porte ou deficitários”, diz a CUT, em nota. O receio é de que os investimentos privados sejam focados em regiões como o Sudeste, em detrimento de locais com mais problemas de saneamento, como o Norte, onde só 10,5% dos domicílios têm coleta de esgoto, índice abaixo da média nacional, de 51,9%. No Sudeste, é de 78,6%.
As insatisfações e os protestos — a CUT marcou outro para 30 de agosto — provavelmente impedirão a MP de ser votada nos próximos meses, época durante a qual os parlamentares, em busca da reeleição, não discutem temas muito polêmicos ou que possam gerar insatisfação pública. A expectativa do governo federal é de que a MP seja discutida depois das eleições, entre novembro e dezembro.
Subsídio cruzado
Na prática, a MP impede o subsídio cruzado, mecanismo em que os municípios que recebem mais recursos subsidiam os deficitários, que não conseguem se manter. Dessa forma, custeiam os investimentos nos municípios menores. “Esse subsídio, no Brasil, não atende à população que necessita. É caro e gera uma distorção absurda, porque tem subsídio territorial. Município maior paga pelo menor, quando, na verdade, o cidadão de baixa renda do município grande acaba arcando com o consumo do pequeno”, afirma Ilana.
O governo também entende que esse mecanismo não têm funcionado bem e, portanto, é necessário permitir que empresas privadas possam ocupar espaços nos quais o setor público não consegue atuar.
Embora o governo afirme que a medida não necessariamente aumentará as tarifas dos serviços, isso é contestado por especialistas. Técnico de planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Gesmar Rosa dos Santos afirma que as tarifas “certamente ficarão mais caras”. O aumento médio quando a iniciativa privada oferece os serviços é de R$ 0,11, segundo estudo da CNI.
Crises hídricas aumentam restrições
Apesar de a distribuição de água ter alcançado mais de 86% dos domicílios brasileiros, fatores climáticos comprometem a universalização do serviço. Causada pelos baixos níveis dos reservatórios, a crise hídrica aumenta a restrição de água nos estados e municípios. Em alguns locais, como Campina Grande (PB), por exemplo, a população chegou a passar até cinco dias da semana sem abastecimento.
Mais de 10% da população abastecida não têm acesso diário ao serviço. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 52 milhões de domicílios recebem abastecimento de água diariamente, enquanto 3,5 milhões têm disponibilidade apenas entre quatro e seis vezes na semana e 3,2 milhões só têm acesso ao recurso até três vezes no período de sete dias. “De 2016 para 2017, houve aumento na restrição de água, mas esse assunto permeia o debate da universalização da água desde 2014, quando a região Sudeste foi fortemente afetada”, destaca Pedro Franco, supervisor de disseminação do IBGE no Distrito Federal.
O presidente executivo do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos, destaca que o problema se perpetua por falta de investimento do governo federal em tratamentos relacionados a esgotamento. “Todo mundo investe em água em vários momentos e esquece o esgoto, sendo que a contaminação da água acontece através do tratamento inadequado do esgotamento”, afirma. Para evitar esse tipo de problema, o técnico de planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Gesmar Rosa dos Santos, acredita ser essencial priorizar uma gestão integrada do saneamento e dos recursos hídricos.
Outra questão que se amplia com a redução de fornecimento de água é o desperdício. Atualmente, cerca de 38% da água no país se perdem antes mesmo de chegar aos domicílios. Segundo Carlos Martinez, professor de Hidráulica e Recursos Hídricos da Universidade Federal de Itajubá, à medida que o país diminui o abastecimento de água, o uso de pressão nas linhas aumenta, o que deixa as tubulações fragilizadas. A consequência é que o número de vazamento aumenta consideravelmente.
Com o tratamento adequado, a crise hídrica estaria atenuada, aponta Martinez. “Se tivéssemos investimento e pessoas técnicas capacitadas, a escassez de água estaria, no mínimo, controlada”, destaca.
As propostas dos presidenciáveis
Alvaro Dias (Podemos):
“O acesso universal a saneamento necessita de investimento de R$ 270 bilhões. Considerando o valor destinado ao saneamento no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), entre 2007 e 2010 (R$ 40 bilhões), seriam necessários sete PACs. Embora o investimento seja alto, a sua necessidade obriga que cheguemos perto da meta, mesmo de forma gradual. Também é preciso atuar na drenagem e no manejo das águas pluviais, que contribuem para a ocorrência de enchentes, deslizamentos, alagamentos e assoreamento dos corpos hídricos.”
Ciro (PDT):
“Recebi Fortaleza com apenas 13% de rede de saneamento e entreguei com 67% dos domicílios saneados. No caso do Brasil, o recurso para saneamento básico não precisa ser a fundo perdido. Ainda antes de uma reforma fiscal e do redesenho do pacto federativo, vamos fazer um aperfeiçoamento na legislação de garantias e de franquias de empréstimos com retenção ou procuração de garantia com fundo de participação ou de parte de ICMS. Com isso, municípios e estados poderão ter acesso a mais de R$ 300 bilhões.”
Alckmin (PSDB):
“Nosso programa tem como ponto de partida a necessidade de melhorar a gestão dos recursos. Com isso, será possível expandir a cobertura de saneamento nas periferias urbanas. É preciso aumentar a participação privada para fazer mais e melhor. Em outra frente, para melhorar a eficácia, o escasso dinheiro público deve ser utilizado exclusivamente para o pagamento de resultados comprovadamente alcançados e não para realização de obras que frequentemente não funcionam adequadamente.”
Boulos (PSol):
“Defendemos a alteração do atual modelo centralizado e empresarial. Vamos direcionar os recursos federais não onerosos para o tratamento dos esgotos, exigindo como contrapartida a universalização do abastecimento de água e da coleta de esgotos. Vamos estabelecer um plano de aplicação desses recursos de forma descentralizada, visando o interesse exclusivamente social. Será também estabelecida uma estratégia de transição de lixões para cadeias locais/regionais que sustentem a valorização de resíduos.”
João Amoêdo (Novo):
“É preciso ampliar a participação da iniciativa privada no saneamento básico. Hoje, apenas 6% dos municípios brasileiros têm parcerias com empresas privadas, com resultados muito mais eficientes. É preciso melhorar a gestão do setor, capacitando os municípios menores na formação de consórcios intermunicipais. Para atrair a gestão privada, é preciso simplificar a legislação e aperfeiçoar a regulação. Cidades com redes de esgoto eficiente têm melhores indicadores de saúde.”
Lula (PT):
“Serão retomadas ações de governos petistas com o fim de reduzir a vulnerabilidade às secas. Isso ocorrerá por meio da retomada ou início de obras de adutoras, canais e barragens, priorizando o consumo humano e dos animais. Será desenvolvida a política de reúso e de busca de fontes não-convencionais, como a dessalinização de água do mar. Será adotado modelo que considere agricultores familiares e a produção em larga escala e que priorize tecnologias que garantam a racionalização dos recursos hídricos.”
Manuela (PCdoB):
“Revisar o plano de saneamento básico, atualizando as metas e os prazos de universalização (com metas para 5, 10, 15 anos e 20 anos); retomar obras federais (cerca de 10); formular linhas de financiamento do BNDES junto aos municípios; retomar investimentos na recuperação de rios e córregos; regulamentar a tarifa diferenciada, conforme o consumo; subsidias as tarifas sociais de água e de esgoto, com foco em áreas mais pobres; não privatizar o saneamento básico e dizer não à MP 844/2018.”
Marina (Rede):
“Precisamos criar políticas públicas para universalizar o saneamento básico. Vamos aprimorar o marco legal existente e investir na ampliação desse serviço. Os municípios precisam de capacidade institucional para elaborar planos de saneamento básico, para que a União consiga fazer a transferência dos recursos. Mas o mais importante é criar uma cultura de cuidado com a água. Precisamos tornar o tratamento de esgoto mais eficiente e mais barato, a partir do aprimoramento legal e da inovação.”
* O candidato Jair Bolsonaro (PSL) foi procurado, mas não respondeu aos questionamentos da reportagem até o fechamento da edição.
Entrevista com Alexandre Baldy, ministro das Cidades
De acordo com números do próprio ministério, o cenário do saneamento básico no Brasil continua muito complicado. Como o senhor avalia a situação? Há melhoras?
O saneamento no Brasil é um desafio enorme. Hoje, abastecimento de água potável chega a algo entre 83% e 84% das residências brasileiras. Deve ter aproximadamente 68% ou 69% de coleta de esgoto sanitário, sendo que em torno de 45% é tratado. Ano passado, liberamos aproximadamente R$ 6 bilhões de investimento no setor de saneamento. Dada a crise fiscal, é indiscutível que o governo federal, os governos de estados e as prefeituras têm investido menos.
O que o governo federal pode fazer para melhorar esses índices, que estão longe da meta estabelecida pelo Plano Nacional de Saneamento Básico?
Fizemos uma MP (medida provisória) para reformular todo o setor. O que nós poderíamos fazer, nós fizemos: enfrentamos de frente um problema que há décadas gera discussão. O governo federal busca contribuir com a elaboração de políticas públicas e o financiamento. Temos quase R$ 30 bilhões em contratos que estão em andamento no setor de saneamento. Obras que são lentas, extremamente difíceis, e que são executadas por governos de estados e prefeituras municipais. O governo federal não executa obra de saneamento.
Uma das maiores críticas a respeito dessa MP é que facilita a privatização e que pode render tarifas mais caras. Como o governo responde a isso?
É uma reforma profunda no setor do saneamento, como ela era aguardada nos últimos 30 anos. Vejo radicalismo e contrariedade a essa medida, mas não vejo proposições. O Estado deixa de investir em outras áreas para investir em algumas que podem ser supridas, sim, por outros entes. Inclusive o saneamento básico. Nós desejamos que o preço fique o mesmo ou mais barato. No momento que você consegue aumentar a escala e o volume, você cria condições para reduzir o custo. A operação empreendedora funciona com escala. Hoje, o volume do setor privado e atuação no saneamento é muito pequeno.
De acordo com números da Confederação Nacional da Indústria (CNI), há 447 obras de saneamento paralisadas no país. Por que isso acontece?
Há peculiaridades de cada caso. São 27 mil contratos de obra que estão em andamento ou paralisadas. Pode ser porque o projeto foi mal feito, por problema de material. Tem obra que paralisou por conta de corrupção, por conta de Lava Jato, por investigação local. Estamos buscando retomar todas as obras paralisadas ou encerrar as que não são passíveis mais de conclusão e buscando culpar aqueles que são responsáveis. A gente vem retomando as obras, como a de Corumbá IV, que vai ajudar aqui em Brasília e estava em andamento há oito anos. Devemos entregar entre setembro e outubro. O mais tardar, em dezembro.
Ainda há alguma chance de que o país cumpra as metas do plano nacional?
É o nosso desejo. A nossa luta é para reformular uma triste realidade. Já liberamos R$ 2 bilhões este ano para novos investimentos no setor e provavelmente liberaremos mais R$ 4 bilhões. Temos a possibilidade de fazer R$ 9 bilhões para 2018, mas as condições dos estados não têm permitido que esses recursos cheguem até onde essas obras precisam. Esse é um dos desafios. Queremos dar competitividade. Se a companhia estatal não tem condições de realizar, vamos colocar o privado para competir. Muitos reclamam que o setor privado só vai investir nas cidades médias e grandes. Então, vamos utilizar os nossos recursos para as cidades pequenas.
E o que o senhor acha que o próximo governo vai ter que fazer ou continuar fazendo para ter avanços na área?
Que o próximo governo esteja com a mesma coragem para que esse desafio que enfrentamos possa continuar sendo enfrentado. Os recursos, dada a condição fiscal, estão aí. Temos que saber otimizá-los e, claro, cada vez mais buscar com que a iniciativa privada participe.
Fonte: Correio Braziliense
13-08-2018