A Privatização do Saneamento no Brasil – uma visão alternativa



Por Glauco Requião, advogado, consultor em sustentabilidade e CEO do Postura Sustentável.

 

Nos últimos meses a discussão sobre a implantação de um novo marco regulatório para o saneamento em nosso país tem ganhado destaque nacional. Diferentes opiniões embatem seus argumentos a favor de medidas que retirem o benefício da contratação direta (sem licitação) de empresas estatais de saneamento pelos Municípios, o que representaria uma vantagem competitiva que tem inviabilizado a privatização do setor. Explica-se: a atual legislação determina que empresas públicas de saneamento podem prestar serviços para Municípios por meio de um contrato de programa, figura jurídica que dispensa a licitação convencional, limitando-se à regulação dos serviços por agências reguladoras municipais ou estaduais.

 

Os principais argumentos são ideológicos e vazios. De um lado os defensores da privatização destes serviços argumentam a favor da agilidade do setor privado e melhor qualidade, aliando-se aos liberais que apoiam a ausência total do estado na prestação de serviços públicos que gerem lucratividade. Do outro lado os publicistas argumentam a favor da universalização dos serviços. Segundo eles, somente o estado através de políticas públicas como o subsidio cruzado, poderia desenvolver pequenos municípios que não são lucrativos e não interessariam à iniciativa privada. Aliam-se ainda aos argumentos de que a água é um bem estratégico e deveria permanecer sob o controle estatal.

 

A questão nos parece bem mais profunda e merece algumas reflexões. Nosso país não dispõe de uma política de saneamento realmente efetiva e que garanta, em caso de privatização, uma total abrangência dos serviços essenciais. Também não exige do Poder Público a necessária eficiência e eficácia na prestação de serviços. Instrumentos regulatórios eficazes precisam ser fortalecidos e as agências reguladoras não podem ser cabides de emprego para afiliados políticos e necessitam urgentemente de pessoal capacitado para operarem como deveriam. Políticas bem definidas precisam ser adaptadas à realidade brasileira. O custo social desse tipo de serviços precisa ser considerado e mensurado para que não sejamos conduzidos a mais uma solução ilusória do problema.

 

Obviamente que os Estados vislumbram a possibilidade de ganhos astronômicos imediatos com a privatização do setor. Nos últimos dias acompanhamos diversas entrevistas concedidas pelo Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, Henrique Meireles, onde aduz à possibilidade de privatização da SABESP, afirmando com certa alegria e conforto que “Se for privatização, o volume da operação será de dois dígitos provavelmente”.

Prejuízos futuros

 

Porém, o que não está sendo levado em consideração, é que um rendimento alto e único pode resultar em prejuízos futuros. Afinal a SABESP (e outras estatais brasileiras do setor) não teria condições de se estruturar para conquistar competitividade numa provável abertura desse mercado? Perceba-se que o mesmo governo de São Paulo, afirma que uma alternativa seria a capitalização da holding da empresa, que renderia menos – a operação teria potencial de R$ 5 bilhões, sendo que R$ 1 bilhão seria reinvestido na companhia – com o governo mantendo o controle.

 

Certamente teríamos um resultado muito mais efetivo, tanto no aspecto comercial, quanto no social, caso as empresas públicas parassem de utilizar seus funcionários e sindicatos para defender o status quo e, ao invés disso, utilizar os anos de expertise no setor para modificar suas estruturas jurídicas, tornando-as grandes players num mercado de livre concorrência. Somando a isso, elas poderiam usar forças políticas para modernizar ainda mais a legislação tornando essas empresas ágeis na contratação de bens, serviços e pessoal, modernizando a gestão e trazendo princípios de responsabilização severos para eventuais problemas ou desvios administrativos.

 

Entendemos que deva haver uma urgente e profunda discussão no setor, pois a livre concorrência fortalece a economia. Não há porque descartar empresas públicas lucrativas e bem administradas, que acompanhem a evolução dos tempos e valorizem o bem público. Sendo assim, os serviços públicos podem ganhar com isso desde que não fiquem escravizados em seus discursos políticos ideológicos, lamentando suas mazelas. Eles devem partir para uma estratégia agressiva de reorganização e modernização dos modelos atuais de empresas públicas de saneamento, rumo à competitividade.

25-04-2019