PRESIDENTE DA ABES-MG FALA SOBRE

NOVO MARCO REGULATÓRIO DO SANEAMENTO

O Jornal Diário do Comércio publicou, em primeiro de julho de 2020, a avaliação feita pelo presidente da ABES-MG, Rogério Siqueira, sobre as mudanças previstas para o saneamento no Brasil após a aprovação do novo marco regulátório, pelo Senado no último dia 24 de junho. Leia abaixo o texto publicado.



Novo Marco Legal do saneamento: Solução, problema ou andamos de lado?

 

*Rogério Siqueira

De norte a sul, o país comemora a aprovação do novo marco legal do saneamento. O PL 4.162/2019, que reforma a Lei 11.445/2007, foi aprovado no senado, em 24 de junho, e segue agora para sanção do executivo. As discussões, às vezes um pouco surdas, tiveram início há dois anos, por meio da medida provisória (868/2018). Reeditada e derrotada, inicia-se a verdadeira discussão com a sociedade, por meio da tramitação do Projeto de Lei. O PL permite que forças e pensamentos diferentes se confrontem e alcancem uma lei mais democrática, caminho natural para a construção das políticas públicas no Brasil.

A nova legislação estabelece que os Estados construam blocos de cidades, com viabilidade econômica para uma operação lucrativa, capaz de atrair a iniciativa privada para investir com segurança jurídica no setor que demanda 700 bilhões de reais para sua universalização e será regulado pela Agência Nacional de Águas (ANA).

No entanto os municípios não são obrigados a aderir aos blocos criados pelos Estados. Como ficarão aqueles que decidirem pela operação própria dos sistemas, como tantos operam hoje, ou pela licitação de sua cidade em separado? Questão política que deve ser trabalhada e acordada, anteriormente à construção dos blocos. O melhor arranjo para os sistemas de saneamento deve envolver a participação de municípios, câmaras municipais e toda a sociedade, o que demanda ampla discussão, trabalho árduo dos Estados e investimento de um precioso capital para o tema: Tempo.

Estamos falando em universalizar o saneamento no Brasil até 2033. Projeto que, a meu ver, demandaria, no mínimo quatro anos. Não basta aprovar um diploma legal para que o mundo real mude no momento seguinte. Não digo que será impossível atingir metas ou mesmo buscá-las, o que é sempre muito importante. Impor metas, medi-las e acompanhá-las é o caminho para evolução das políticas públicas. Mas é preciso considerar o arranjo financeiro. Feito o arranjo técnico temos que buscar o econômico.

De onde virão os 700 bilhões de reais estimados para esse mercado, que correspondente a 7% de todo o nosso PIB? Quando temos catástrofes, guerras, ou pandemias, estes recursos não nos parecem muito vultuosos, haja vista, o que já se gastou com a Covid-19 até agora. Mas nesse caso, o que se observa com a nova lei, é a decisão política de exonerar o Estado do encargo de investir em saneamento, entregando-o totalmente à iniciativa privada.

Em que condições o investidor virá a este mercado? Questão que, esperamos, seja feita sobre a mesa e às claras, com garantias necessárias tanto para quem investe quanto quem concede os serviços. As concessões precisam ser entregues a empresas com competência técnica e capacidade real de investimento, submetidas a uma regulação que garanta o acesso da população aos serviços de saneamento básico, cumprindo assim, o direito universal reconhecido pelas Nações Unidas, e do qual o Brasil é signatário.

Acredito que a nova lei prejudicará a privatização das companhias públicas de saneamento, como a COPASA. Uma vez que seu maior patrimônio é a concessão pública, e se a lei não dá direito a transferir este bem, as empresas perdem valor de mercado. Vale destacar que, em uma das cláusulas de concessão da maior cidade para a COPASA, que é Belo Horizonte, o contrato pode ser desfeito, caso a empresa seja privatizada. A capital, então, estaria livre para assumir o saneamento ou concedê-lo a terceiros. Ao perder essa concessão a empresa enfrentaria grande desequilíbrio econômico. Sem sua principal arrecadação, haveria aumento das tarifas nos demais municípios, inviabilizando a capacidade de pagamento dos cidadãos, e podendo levar a ruptura da concessão com a COPASA nesses locais. Além disso, faltam condições políticas para a aprovação da privatização na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Mesmo admitindo-se vender a COPASA, pelo dobro do valor de seu patrimônio líquido de R$ 6,86 bilhões, o Estado apuraria o equivalente a pouco mais de dois meses de folha de pagamento e acabaria com uma fonte de receita permanente de 500 milhões por ano, vinda da distribuição dos lucros. As empresas privadas, preferirão começar novo negócio a assumir insegurança jurídica, concorrendo com a COPASA.

Quanto à comparação, feita por muitos, sobre o saneamento e os serviços de telefonia ou energia, faço uma ressalva: são incomparáveis. Ao conceder os serviços de saneamento, estará instituído o monopólio territorial destes serviços, só isto já faz com que tudo seja diferente em relação aos outros mercados, visto que o consumidor não poderá procurar outra empresa para suprir aquela necessidade. No saneamento é diferente, é um contrato para 20, 30 anos, e por isso, precisa de uma regulação diferente, melhor, mais firme e presente. O Estado jamais poderá se ausentar do sistema, seja na regulação, seja na balança que equilibra preços. E principalmente, porque é um serviço essencial, do qual se retira um produto que não se vende no mercado: SAÚDE!

Na verdade, existe um grande retorno para o Estado, visto que cada real investido em saneamento economiza quatro reais em gastos com saúde pública. Não existe melhor investimento! E deveria ser a direção de toda política pública.

 

Link para a matéria completa publicada no Jornal Diário do Comércio