PERFIL ABES-MG

 

José Cláudio Junqueira

José Cláudio Junqueira Ribeiro - Engenheiro Civil, especialista em Engenharia Sanitária e Ambiental, Mestre em Saneamento e Urbanismo, Doutor em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos, docente do programa de mestrado e doutorado em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável da Escola Dom Helder Câmara e Diretor da ABES-MG.

Fale sobre sua trajetória acadêmica/profissional

Este ano estamos celebrando 50 anos de graduação em engenharia civil na UFMG. Logo em seguida à graduação cursei especialização em engenharia sanitária, também na UFMG, quando ganhei uma bolsa do governo francês para o mestrado em saneamento e urbanismo na Escola Nacional de Saúde Pública da França, em Rennes e na Universidade de Vincennes em Paris.

Ao regressar ao Brasil, no final de 1977, a ideia era trabalhar no Plambel, mas acabei por aceitar convite dos secretários de Ciência e Tecnologia José Israel Vargas e Octávio Elisio para o desafio de implementar a dinâmica da recém-criada Comissão de Política Ambiental, atualmente Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM). O desafio me interessou e assim fui contratado pela Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais (CETEC) para o apoio técnico à então COPAM.

Em 1980, o CETEC assumiu o papel de órgão técnico do BNH para análise de projetos e obras da COPASA. O diretor José Roosevelt, que havia sido meu colega na engenharia sanitária me convidou para coordenar a análise de projetos e obras de esgotos sanitários. Em 1983, fui nomeado Superintendente de Engenharia Ambiental do CETEC, em 1986 Superintendente do COPAM e em 1989 nomeado Secretário Municipal de Meio ambiente de Belo Horizonte, oportunidades em que aprendi muito a arte da administração pública. Em 1991 retornei ao CETEC e logo em seguida ingressei na recém-criada Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM), que havia assumido grande parte das competências em matéria ambiental do CETEC. Na FEAM foi onde desenvolvi grande parte minha carreira profissional, como pesquisador, diretor e presidente, me aposentando em 2012.

 

Como você conheceu a ABES?

Conheci a ABES pelos colegas do CETEC que divulgaram o Congresso em Manaus, em 1979, para apresentação de trabalhos. Apresentei um trabalho sobre a experiência que estávamos desenvolvendo em Juramento (MG) sobre ecodesenvolvimento, sob a orientação de Ignacy Sachs, um dos principais teóricos que contribuíram para a tese de desenvolvimento sustentável. A partir daí me associei à ABES onde fiz muitos amigos e durante muito tempo participei ativamente, inclusive do memorável congresso em Maceió, em 1985, quando se discutiu a importância da municipalização do saneamento.

Por insistência do amigo Alaor de Almeida Castro cheguei a ser diretor da ABES nacional e me lembro de uma série de gravações sobre saneamento e meio ambiente que a ABES fez para um programa de televisão, quando gravei um programa sobre o impacto da poluição atmosférica sobre o patrimônio das cidades históricas de MG. O material dessas gravações em fita cassete deve estar em algum arquivo da ABES nacional.

Com o tempo, acabei me afastando da ABES e retornei por convite do amigo Rogério Siqueira quando se elegeu presidente da Seção ABES MG. Passei a integrar a Comissão de Resíduos Sólidos, onde tenho tido a oportunidade de conhecer muita gente, fazendo novos amigos e revendo os antigos.

 

Conte um pouco sobre os desafios e as vantagens de atuar no setor público.

Antes de ir para a França trabalhei numa empresa privada de projetos e consultoria, enquanto cursava engenharia sanitária, em 1974, quando elaborei o primeiro e único projeto de sistema de abastecimento de água, para a cidade de Formoso no Noroeste de MG. Lembro que a contratante era a COMAG, mas no período passou a se denominar COPASA. Depois que retornei ao Brasil, estava firme no propósito de trabalhar no setor público. Tive proposta da SEEBLA por intermédio do colega e amigo Thomas Ribeiro Neves, mas minha opção foi ingressar no serviço público estadual, pelo CETEC, que à época era fundação celetista, mas depois, por concurso, para a FEAM.

O primeiro grande desafio para atuar no serviço público é se conscientizar que é um serviço de estado e não de governo; e ocupar cargos de direção serve apenas para materializar seus ideais, apesar dos obstáculos da burocracia da superestrutura. Foi enquanto superintendente do CETEC, por exemplo, que tive a oportunidade de incluir os resíduos sólidos na pauta da gerência de saneamento, convidando a Heliana Kátia para ficar à frente dos trabalhos, que se iniciou com uma pesquisa em Ibirité.

As regras e procedimentos na administração pública são muitos e conhecê-los para enfrentá-los também são grandes desafios. Em termos de vantagens, destaco a realização profissional em contribuir para uma política pública em prol da qualidade de vida da população. Além disso, no meu caso específico, tive muitas oportunidades de treinamento no país e no exterior, o que muito me capacitou para meu trabalho na área pública e, aposentado, procuro retribuir em trabalhos voluntários.

 

E os desafios e as vantagens de ser professor? Conte um pouco sobre as disciplinas que você leciona.

No CETEC havia um programa muito interessante que incentivava os pesquisadores irem para as salas de aula de ensino superior, lecionar disciplinas do seu objeto de pesquisa, liberando um período do dia. Foi assim, que em 1981 iniciei minha atividade docente na Escola de Engenharia da FUMEC em Contagem, transferida para BH em 1983, onde lecionei Gestão Ambiental e Poluição Atmosférica até 2016.

A convite do Professor Patrício Galegos lecionei Gestão Ambiental no Curso de Especialização em Engenharia Sanitária e Ambiental do DESA/UFMG, de 1995 a 2009. Tendo grande interesse pela docência, aproveitando mais um hiato entre as diversas exonerações que enfrentei (certamente pelo caráter forte de opinião, resistente às pressões políticas), cursei o doutorado em saneamento, meio ambiente e recursos hídricos no DESA/UFMG, tendo como orientador Leo Heller, com quem aprendi muito, inclusive a arte de orientar.

A partir de 2011, integrei o corpo docente do programa de mestrado e doutorado em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável da Escola Dom Helder Câmara, onde leciono Política Pública de Meio Ambiente, Avaliação de Impacto Ambiental, Licenciamento e outros Instrumentos de Gestão Ambiental, Gestão de Resíduos Sólidos e de Recursos Hídricos. Na docência, o maior desafio é ao mesmo tempo a maior vantagem: a atualização do conhecimento! Não só o conhecimento técnico, mas da realidade, pelo contato contínuo com pessoas bem mais jovens. É um aprendizado contínuo que me traz muita satisfação.

 

Como você vê o papel da ABES no enfrentamento aos desafios do saneamento?

Atualmente, estamos vivendo uma realidade especial pelas muitas mudanças na legislação relativa ao saneamento básico, bastante polemizada pelas diversas correntes. Sempre fui adepto da corrente municipalista e por isso citei o congresso de Maceió como memorável. A ASSEMAE praticamente nasceu no CETEC quando fui superintendente, apoiando o Ricardo Goulart de Uberlândia, seu primeiro presidente, com suporte técnico, inclusive a criação da logomarca. Continuo municipalista e penso que o município é que deve decidir o que é melhor para sua realidade. Sei que no país, muitas vezes, os municípios não dispõem de capacidade instalada para subsidiar a tomada de decisão para a concessão dos serviços de saneamento básico. Nessas situações, os estados e União têm o dever de assessorar os municípios. A ABES, como outras associações de classe e sindicatos também são muito importantes para essa assessoria, para que não comprem gato por lebre. Assim, congressos, seminários, cursos etc. para capacitação de profissionais, gestores públicos e privados, por meio de apresentação de trabalhos, ideias, propostas e debates, constituem-se em importantes contribuições.

 

Quais são suas expectativas para o congresso da ABES?

O 32º Congresso da ABES, a realizar-se em Belo Horizonte, está despertando grande expectativa em todos os operadores do saneamento básico, não apenas nos diversos entes federativos do país, mas também no nível internacional pelo enorme interesse que o mercado brasileiro desperta.

Os congressos da ABES, pela tradição, reúnem entes públicos, privados e sociedade civil para debates democráticos, pelas várias correntes, sobre os vários recortes políticos e técnicos que compõem o setor. Para mim, as maiores expectativas são para os painéis de resíduos sólidos, quando temas importantes como rotas tecnológicas, reciclagem, economia circular e integração socioprodutiva de catadores de materiais recicláveis serão debatidos. Além disso, grande expectativa para a integração dos catadores na coleta dos recicláveis gerados durante o congresso e o cálculo das emissões de gases de efeito estufa do evento, bem como a compensação pela comercialização de créditos de carbono oriundos da reciclagem.

 

Conte um pouco sobre sua vida pessoal.

Nasci e fui criado em Belo Horizonte, com origens familiares no sul de Minas (Cruzília) e Zona da Mata (Leopoldina e Além Paraíba) onde sempre tive muitos contatos com essas origens rurais, apesar de ser essencialmente urbano. Morei quase três anos na França e quando terminei o curso, tive convites para trabalhar com meu orientador na OMS e do então prefeito Moreira Franco, que conheci em casa de amigos em Paris, para trabalhar em Niterói. Todavia, como mineiro convicto e amante de Belo Horizonte, quis voltar às minhas origens. O saudoso e amigo Professor Julião me zoava dizendo que dos cinco irmãos fui o único rebelde que não se casou em Cruzília, mas que não conseguindo ultrapassar as montanhas de Minas, fui casar-me em Barbacena. Sou casado com Lucia há 42 anos, nascida e criada em fazenda, que já desistiu de me ensinar a tirar leite. Temos um casal de filhos dos quais muito orgulhamos: Gabriel Francisco, advogado, casado com Ana Flávia (de Cruzília) e Julia, dentista, rebelde como pai diria Julião, casou-se com Matheus (Bom Despacho). Temos dois netos, Maria de 4 anos e Francisco de 3 anos, que são nossa maior alegria. Reclamam muito quando Vovô está em reunião, inclusive da ABES, não podendo brincar com eles.

 

Qual (is) livro (s) você indicaria como obra que precisa ser lida?

São tantos, que fica difícil citar. Vou usar o critério da atualidade, o que estou terminando a leitura “Humanidade, uma história otimista do Homem”. Sem intenção de dar um spoiler, o historiador holandês Rutger Bregman debate, com base em pesquisas bibliográfica, documental e de campo, as teses de Rousseau, que nascemos bons e a sociedade nos corrompe; e de Hobbes, que somos mau caráter por origem e a sociedade nos controla.