A Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental de Minas Gerais (ABES-MG) realizou, em 23 de abril, o " I Seminário Interno de Representantes em Conselhos e Comitês de Bacia - Vamos Conversar?"
Além de abordar diversos aspectos relacionados ao saneamento, o encontro teve como objetivo aproximar os representantes, debater os principais desafios e oportunidades dessas participações e, principalmente, alinhar o posicionamento técnico da ABES nesses fóruns.
O presidente da ABES-MG, Rogério Siqueira, deu as boas-vindas aos participantes e convidou a cada um para uma breve apresentação pessoal e de sua atuação pela ABES-MG. Em seguida, passou a palavra ao palestrante, o ex-ministro e ex-secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais, José Carlos de Carvalho.
José Carlos Carvalho considera que os comitês de bacia simbolizam o maior avanço que o Brasil conquistou em termos de gestão ambiental. Embora reconheça que ainda falta empoderamento para que esses fóruns possam pôr em prática a Lei das Águas.
"É competência dos comitês fazer a gestão das águas considerando os usos múltiplos da bacia mas, na prática, isso não acontece. Só alcançaremos isso se mudarmos os costumes políticos arraigados na sociedade. Somos uma sociedade oligárquica e temos por hábito adotar decisões monolíticas, unilaterais e monocráticas. Precisamos ter bem claro que, o mundo político não vai empoderar os comitês", disse.
Após apresentar os instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, previstos na Lei 9433 de 8 de janeiro de 1997 - a saber: os Planos de Recursos Hídricos; o enquadramento dos corpos de água em classes; a outorga dos direitos de uso de recursos hídricos; a cobrança pelo uso de recursos hídricos; a compensação a municípios; e o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos - José Carlos destacou que a Lei, inspirada no modelo francês, encontra seu primeiro desafio no fato do Brasil ser uma República Federativa, enquanto a França é uma República unitária. O segundo desafio, é a dupla dominialidade. Apesar disso, defende que o comitê é oportunidade única de cooperação bilateral dos entes federados, local onde a decisão não tem hierarquia e as melhores políticas para a bacia são definidas em conjunto.
José Carlos também acredita que os comitês de bacia precisam realizar um trabalho mais integrado aos consórcios municipais e garantir que os serviços essenciais de saneamento alcancem uma maior cobertura. " Se tivéssemos mais integração poderíamos dar um grande salto na quantidade e qualidade dos serviços prestados e muitas demandas poderiam ser supridas com custos menores", afirmou.
José Carlos também disse que, embora os comitês não tenham poder para conceder outorgas, tem plena competência para aprovar os Planos Diretores, realizar a classificação dos cursos d´água e definir e cobrar as diretrizes que serão adotadas pelos órgãos concedentes de outorga.
Para finalizar, falou sobre a crise hídrica que afetou São Paulo, e criticou a forma como o assunto foi conduzido. "Desconsideraram totalmente os comitês de bacia como parte da solução. Da mesma forma, fizeram com o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, que se quer foi cogitado para arbitrar o conflito de água na Bacia do Rio Paraíba do Sul, caso decidido no Supremo Tribunal de Justiça". O Ex-ministro criticou também a ausência de uma engenharia política vinculada ao interesse público capaz de movimentar uma maior articulação no congresso e senado nacional. "O poder que não é usado é usurpado", citou ele. É preciso fortalecer os comitês de bacia como órgãos de cooperação e decisão, indispensável para uma gestão eficiente da bacia.
Para isso, a participação de entidades técnico científicas como a ABES-MG, o fortalecimento da cobrança e das agências, assim como a articulação entre os vários programas para conservação e produção de água existentes, precisam estar articulados para uma maior efetividade. Hoje, programas como o Cultivando Água Boa, da Copasa, o Plantando Água, da Codemig e o Bolsa Verde, do Sisema, são completamente desvinculados", concluiu.
Na parte da tarde, o ex-presidente e representante da ABES-MG junto ao Comitê de Bacia Hidrográfica do São Francisco, Márcio Pedrosa, apresentou sua experiência de atuação nesse comitê. Ele apresentou a estrutura e composição atual do comitê, apontando em seguida os desafios e conquistas da bacia após a implementação da cobrança pelo uso da água.
Márcio Pedrosa destacou que, a partir da cobrança pelo uso da água, atualmente cerca de 23 milhões de reais por ano, foi possível realizar vários estudos, planos de saneamento e investimento em diversas obras de recuperação e preservação de nascentes.
Ele também relatou que embora haja um importante protagonismo da Agência de Bacia Peixe Vivo, existe dentro do comitê o questionamento sobre a pouca agilidade da Agência no custeio das ações previstas no Plano Diretor, apesar dos recursos existirem e estarem disponíveis para essa finalidade.
Para o presidente da ABES-MG, as instituições são o único meio para alcançarmos as mudanças sociais que queremos. "Como representantes da ABES, precisamos fazer nossa parte, dar nossa contribuição pelo saneamento." Rogério pediu aos representantes que se envolvam mais com a elaboração dos planos de saneamento dos municípios da bacia. "Onde esses planos já tenham sido elaborados, que ajudem a fiscalizar, a exigir a implementação desse instrumento de gestão. Precisamos atuar para fazer cumprir esses planos", explicou.
Em seguida, Rogério convidou o ex-diretor geral da Feam, José Cláudio Junqueira Ribeiro, para a próxima palestra. José Cláudio fez um apanhado sobre os 20 anos da Lei das Águas, a Lei 9433. Ele fez um apanhado sobre os planos de saneamento, enquadramento, outorga e cobrança pelo uso da água.
Ele iniciou a fala afirmando que é dever de uma organizações não governamental, como a ABES, defender e representar o interesse coletivo nos comitês e fóruns de discussão. "A ABES deve atuar como terceiro setor apoiando sempre os interesses da sociedade. Essa atuação também deve contemplar a 'despersonificação' dessa representação. Para isso, a entidade deve definir com clareza seu posicionamento em relação aos recursos hídricos, e o representante defender essa bandeira de forma clara e desvinculada de suas opiniões pessoais.", disse.
Sobre a cobrança pelo uso da água, José Cláudio considera o valor é irrelevante em relação às demandas da bacia e defende uma revisão. "Apesar de sua implantação em algumas bacias, como a dos Rios das Velhas e São Francisco, a cobrança não foi indutora de uma mudança de comportamento do setor empresarial e os valores praticados precisam ser revistos."
Em relação aos planos de saneamento, José Cláudio alertou que eles vêm sendo elaborados de forma muito superficial, sem apontar problemas reais, sem detalhar a execução das ações, sem um cronograma de cumprimento, custos e, principalmente, sem indicar a fonte de onde virão os recursos para executar e manter as ações implantadas.
Da mesma forma, José Cláudio defende que o enquadramento dos corpos d´água seja efetivado o quanto antes. "Efetivar o enquadramento depende dos comitês de bacia e isso exige a definição de metas obrigatórias, intermediárias e progressivas. Tudo precisa estar detalhado no Plano. É ele quem estabelece o que será feito, onde, quando, a que preço e em quanto tempo. Assim sendo, é estratégico que o comitê determine essas metas e passe a exigir seu cumprimento", explicou.
Em relação aos comitês de bacia, José Cláudio fez críticas quanto a sua atuação. Ele afirmou que grupos específicos, com interesses próprios, controlados por governos e pelo poder econômico emperram a estrutura de decisão. "Cabe a entidades como a ABES-MG o desafio de levar o conhecimento técnico aos demais membros dos comitês no intuito de aprimorar o poder de decisão, a partir desse nivelamento.
Após os debates, os participantes avaliaram o seminário como bastante positivo e enriquecedor. João Eduardo Della Torres propôs que cada um faça uma reflexão sobre a contribuição que pode dar. José Antônio da Cunha Melo sugeriu que a ABES avalie criar uma diretoria de representações capaz de traçar estratégias que façam seus representantes serem protagonistas de mudanças.
Aline Guerra, Fátima Gouvêa, Weber Coutinho e Pegge Sayonara elogiaram a inciativa e propuseram que a ABES-MG planeje novos encontros com os representantes para que esse diálogo possa se intensificar e aprimorar as representações. Jane Oliveira Lima concordou e disse que vinha sentindo falta desse direcionamento para dar uma colaboração mais efetiva.
Ana Augusta Passos Resende elogiou a iniciativa de reunir os representantes e, principalmente, criar o grupo de WhatsApp para agilizar o contato entre todos. Maria do Carmo Varella destacou que esse suporte a deixou mais encorajada a representar a ABES-MG. Sávio Nunes e Izabel Andrade também elogiaram o seminário e destacaram o grande aprendizado com a fala dos colegas.
Para finalizar, Rogério agradeceu a participação e a doação do tempo de cada um dos participantes. Destacou que o foco da ABES-MG é a universalização do saneamento e que conta com as proposições e atuação de todos para levar adiante essa bandeira.